A caminho da praia

Luisão só sabia de uma coisa: não queria ir embora de sua casa. Escolheu a manhã para percorrer o jardim, molhar as plantas,que estavam um tanto secas, furungar pelos fundos, sem pressa. Lá pela uma da tarde, passou pelo bar do Zé, comeu um bife com fritas e cuidou, sobretudo, de não beber muito. Naquele dia, desejava manter-se sóbrio.

- Me empresta a chave do barraco na praia? - pediu ao Zé, depois da refeição.

- Tás querendo ir até lá, malandro?

Luisão demorou a responder.

- Estou pensando em dormir no Barro Duro. O tempo está bom, já acordava amanhã na praia.

- Tudo bem. Mas, te aviso: não tem nada lá dentro.

- Eu me viro. E, se der, te trago algum peixinho.

Luisão saiu, arrastando o corpo, em direção a sua casa.

Maria Luísa estava preocupada com o que teria de fazer à tarde: prometera a si mesma, e ao pai, que o traria para a cidade. Não era mais possível que continuasse sozinho, naquela casa semi-abandonada, da qual saía apenas para comer alguma coisa ou beber. Mudara-se para fora, alguns anos atrás, com o pretexto de que necessitava de ar puro para criar. Aposentado, já não encontrava motivos para permanecer na cidade. No início, pintara bastante, chegando mesmo a participar de exposições. Mas, aos poucos, a atividade se deteriorava. Os primeiros sinais de esclerose apareciam; um dia, o pai bem poderia causar um incêndio num de seus eventuais esquecimentos da panela no fogo. Era preciso tomar alguma medida.

Maria Luísa deu uma série de voltas no centro e, depois, pegou o caminho do Laranjal. Era uma bela tarde de primavera, levemente ventosa. Florinhas amarelas margeavam a estrada. Havia pouco movimento naquela hora, alguns jovens de bicicleta que se encaminhavam para as praias. Procurou dirigir devagar, para saborear o contato com a natureza. O pai tinha razão, era muito agradável fugir do bulício da cidade.

Enquanto seus olhos se inebriavam com o verde, pipocando por toda a parte entre casas recém-construídas, Maria Luísa começava a pensar que talvez houvesse outra solução para o pai. Mas, qual? Respirou fundo, sorvendo o ar puro, sentindo mais leves as preocupações. Afinal, já se debruçara muitas vezes sobre o assunto. Diminuiu a marcha; a estrada abria-se para um atalho, por onde se embrenhou.

Ao fim da ruazinha, avistou a casa, perdida atrás de um jardim que tinha virado mato. Bateu várias vezes à porta; pelas frestas dos postigos, procurava o vulto do pai. Inútil - ninguém veio atender. Dirigiu-se, então, ao bar da esquina.

- Seu Zé, sabe de meu pai?

- Ele me pediu a chave da casinha do Barro Duro.

- Quando foi isso?

- Hoje, depois do almoço. Falou que ia dormir lá.

- Mas, será que esqueceu que eu vinha buscá-lo? Ele precisa de tratamento médico.

- Não sei lhe dizer. Só sei que levou a chave.

E seu Zé deixou a conversa de lado para atender um freguês que chegava.

Maria Luísa pensou em ir atrás do pai, mas receou não encontrá-lo. E se andasse por lá, desbravando os matos? Consultou o relógio, refletiu um pouco e, por fim, falou ao seu Zé:

- Por favor, diga a meu pai que só posso voltar na semana que vem. Que ele telefone, para combinar.

- Sim, senhora, pode deixar.

O carro de Maria Luísa arrancou. Por mais alguns minutos, a casa de Luisão permaneceu silenciosa. Depois, com cuidado, ele abriu a porta do quartinho dos fundos. Saiu esfregando as mãos de contente.

(Relançamento)