E-mail de Um Ex-Funcionário

Eric do Vale

“Não se ocupa com nada

além de um certointeresse pessoal,

a saber, vingar-seda angustia que lhe causo

e evitar a angustia que posso vir a lhe impor

no futuro.”

(Franz Kafka: Uma Pequena Mulher)

Olá!

Fiquei surpreso, quando, no dia seguinte, o Rodolfo veio me procurar querendo saber se, porventura, comentei com alguém que vi vocês... Apesar de termos trabalhado juntos, não me lembro de, nessa época, ter recebido nenhum telefonema dele; nem mesmo quando saí da firma. É claro que tal iniciativa não partiu do Rodolfo, pois sei que é do seu feitio encarregá-lo da “tarefa” de transmitir os seus recados.

Vejo-me, portanto, agora no direito de colocar tudo em pratos limpos. Primeiramente, quero informar-lhe que, no período em que trabalhei nesta empresa, jamais me interessei em saber da vida particular sua ou de qualquer outro colaborador; prova disso: a orientação sexual de um membro da nossa equipe que só tomei conhecimento disso, através de você, quando essa pessoa não mais integrava os quadros da instituição. É incrível como ainda hoje você consegue me enxergar como uma pedra no sapato!

Atribuo ao meu primeiro dia de trabalho essa sua aversão à minha pessoa, quando fui apresentado ao diretor-presidente e esse brincou comigo dizendo que todo baixinho era ruim, porque tem a alma pequena. A fim de agradar-lhe, disse-lhe que a história confirmava a tese dele e citei exemplos como: Hitler, Napoleão, Getúlio Vargas e Castello Branco. Ele entrou no embalo, fazendo um gesto nazista e colocou a mão sobre o estômago, igual ao imperador da França. Mas você... Pediu ao Rodolfo para conversar comigo, uma semana depois desse ocorrido. Pelo jeito, a brincadeira que fiz com o diretor-presidente mexeu muito com você, não foi?

Os treinamentos e os cursos, conforme prometidos, quando me contratou, nunca aconteceram. Praticamente você me excluiu da equipe, restringindo a minha participação nas reuniões e me colocado para desempenhar serviços de continuo, coisa que não condizia com o meu currículo profissional. Qualquer deslize que eu cometesse, era razão suficiente para me repreende diante dos outros.

Não pense que esqueci daquela vez em que me pediu para acompanhar a Vanessa até o superintendente e ajudá-la com as compras. Como haviam muitos sacos, essa sugeriu que, quando chegássemos, eu fosse pedir ajuda ao porteiro. Assim o fiz, mesmo ciente de que você jamais aprovaria aquilo e que, na primeira oportunidade, chamaria a minha atenção. Dito e feito...

Isso me fez lembrar de um fato envolvendo outro subordinado: ao voltarem de um almoço, esse, durante o trajeto, jogou, pela janela do carro, um papel de bombom e a primeira coisa que você fez, quando chegaram na firma, foi recriminá-lo por tal atitude. Apesar de todo mundo da firma saber da aversão que sentia por ele, algo que você jamais fez questão de esconder, essa represália, para todos os efeitos, tratava-se de uma "educação ambiental".

Depois de ter me espinafrado, isentando a Vanessa de qualquer responsabilidade, você, pela enésima vez, narrou a atitude do meu antecessor que não conseguiu colocar um prego na parede, referindo-se a ele como se fosse um débil mental.

Aliás, todo mundo para você, naquela empresa, era um retardado: a Neusa, a Graça, o Isaias... E aquela estagiária que vivia com os fones no ouvido? Nunca houve um dia em que deixasse de falar nela sem que a classificasse como idiota ou qualquer outro sinônimo.

Lembra-se de quando você falou para todo mundo, inclusive para mim, que achava a secretária do Resende uma burra? Provavelmente, não; mas eu me lembro. E digo mais: naquele momento, tive vontade de te dizer um monte de coisas que, há tempos, estavam atravessadas na minha garganta. Mas, me contive. Nesse mesmo dia, depois do expediente, advinha quem encontrei? Dei carona a ela, porém não abri minha boca a respeito disso. Confesso que vontade não me faltou. No entanto, o que eu ganharia com aquilo? Considerado que os meus dias, nessa empresa, já estavam contados, o máximo que eu conseguiria era criar uma intriga boba, ficando com a pecha de fuxiqueiro.

Sabe, não me surpreenderia, nem um pouco, se você me considerasse um imbecil. E como esse adjetivo sempre fez parte do seu vocabulário, tenho plena convicção de que esse era o seu conceito sobre mim. Entretanto, essa sua concepção, provavelmente, mudou, após aquele feedback. Feitas as suas considerações quanto ao meu desempenho profissional, você disse:

- Agora, é a sua vez de me avaliar. Então, acha que tenho que melhorar em alguma coisa, Gonçalo?

Fiquei meio reticente, mas você insistiu,

argumentando que aquilo era necessário, porque se tratava de uma norma da instituição. Naquelas condições, vi-me no direito de falar do seu constante “hábito” de fazer uso de palavras de baixo calão, durante o expediente, tomando como exemplo aquela vez em que você mandou um funcionário ir tomar... Terno esse, diga-se de passagem, era dito, com frequência, por você, sempre que algo não correspondia às suas expectativas. Para se defender, você alegou que não havia dito isso diretamente ao rapaz e, então, eu respondi:

- Independente de ter sido dito na presença dele ou não, você disse. Já pensou se eu, por acaso, falasse isso?

Comentei ainda desse seu comportamento estressante, mostrando que isso acarretava a insegurança e desestabilidade da equipe.

Quero deixar bem claro que procurei agir como um profissional sem imaginar que, lá na frente, isso me custaria muito caro. A partir daquele momento, a sua marcação comigo dobrou, chegando ao ponto de ameaçar retirar as minhas funções e transferir a um terceiro, caso não procedesse direito. E na primeira rata que cometi, você fez questão de cumprir o que prometeu:

- Vou passar as suas funções para o Alfredo. Assim que ele começar a trabalhar conosco, na semana que vem, eu farei isso.

Pobre Alfredo! Fui informado do que aconteceu com ele: pediu as contas, quando ainda se encontrava no período de experiência, depois de ter sido humilhado por você diante dos outros. O mais impressionante é que isso aconteceu, logo após o meu desligamento dessa empresa.

- Então, Gonçalo, o que pretende fazer, quando o Rodolfo assumir as suas funções, visto que não haverá mais serviço para você aqui na empresa?

Três vezes, num único dia, você me fez essa pergunta, intencionando que eu pedisse as contas ou perdesse a razão para me demitir por justa causa, certo?

Evidentemente que a minha vida pessoal não lhe convém, mas fique sabendo que, na mesma semana em que você me fez essa pressão, eu tinha acabado de me separar da minha mulher.

Sorte a minha, meses antes, ter começado a fazer análise. Estava propenso a ter um enfarte ou algo parecido. Diariamente, eu saía para o trabalho, pensando: “Qual vai ser a bronca de hoje? ”. Contudo esse suplício terminou no dia em que você comunicou o meu aviso prévio, dando os meus direitos trabalhistas. Oh glória!

Copiei o Rodolfo neste e-mail, porque é bom que ele saiba que eu o acho bem grandinho para exercer a função de moleque de recados. Saibam também que no momento em que estiverem lendo essa mensagem, existem coisas que para mim são muito mais relevantes do que a vida pessoal de vocês.

Atenciosamente,

Gonçalo Dias