ENFIM, A OCASIÃO ESPECIAL
Dona Alzira, casada com Alberto Costa, um abastado produtor rural, aos sessenta anos ainda era uma bela mulher, altiva e vaidosa. Adorava joias caras. Não perdia oportunidade de pedir ao marido e aos filhos, Carlos, Henrique e Fernando, que a presenteassem sempre com mais joias que, aliás, ela não usava. Pelo menos não que alguém visse. Seu pequeno cofre já estava abarrotado. Uma fortuna em anéis, pulseiras, colares, pingentes, gargantilhas, tornozeleiras. Tinha várias de cada tipo.
- Não sei para que queres tantas joias, se não as usa. Daqui para a frente, só voltarei a te comprar um anel, um par de brincos, se os usares, em nossos passeios, por mais singelos que sejam, do contrário, não te trarei mais nada, nem vestidos.
Foi assim, nesses termos, que sentenciou Alberto, cansado de pedir à esposa, que usasse seus caros presentes.
- Claro que não usarei meus lindos vestidos e joias aqui no mato, ou nessas cidadezinhas mixurucas, para onde me levas. Quero ocasiões especiais, do contrário fica tudo no cofre e no guarda-roupa.
- É assim, é? Então, não ganhas mais nada!
- Vamos ver!
Todos os dias, enquanto marido e filhos trabalhavam, Dona Alzira se trancava no quarto, vestia seus vestidos lindos, alguns dos quais já nem eram assim tão novos, punha suas belas joias e desfilava para si mesma, diante do grande espelho. E ali ficava, admirando-se, feliz. Sentia-se importante, uma dama da alta sociedade paulista, ou carioca, ou parisiense, ou nova-iorquina, ou de qualquer outra grande cidade. Por quê, não?
Depois guardava tudo nos devidos lugares e voltava a ser a Dona Alzira de sempre, esposa do agricultor Alberto Costa, plantador de trigo e soja.
As noras sonhavam com joias da sogra. Não viam a hora de ver a “velha” no caixão, para tomarem posse. Já haviam feito até um sorteio, para saber quem ficaria com o quê.
Não mais que de repente, num dia qualquer, as noras viram o sonho realizado. A sogra sofreu um infarto fulminante e morreu na hora.
O velório, realizado na sala da própria casa, era uma suntuosidade. O vestido, um luxo só. Tinha-se a impressão de que uma grande festa a aguardava no céu, ou...quem sabe? E ela estava a caminho. Todas as suas joias estavam ali, iriam com ela. Colar no pescoço, em cada dedo, um anel. Brincos adornando as pálidas orelhas! As joias restantes, iam de um cotovelo ao outro, contornando a cabeça, como uma grande coroa. Afinal, não era tudo seu?
As noras, mais que qualquer outro familiar, choravam copiosamente, enquanto dezenas de outros olhos grandes miravam cobiçosamente os bens da morta. E pensavam: “Que desperdício! “Acham que esse tesouro todo vai abrir as portas do céu pra velha avarenta. ”
O padre chegou. As rezas, entremeadas por lágrimas e soluços começaram e a ocasião se fez. Os presentes se aproximaram do caixão, um a um, para as últimas despedidas particulares da sempre lembrada Dona Alzira. Faziam suas preces, alguns tocavam-na e voltavam para seus lugares. Alberto ficou por último. Contemplou pela vez derradeira o rosto de sua amada, deixou cair algumas lágrimas e se dispôs a fechar o caixão, quando constatou, estarrecido, que sua defunta esposa fora saqueada. Quase metade das joias haviam desaparecido. Uma raiva terrível lhe subiu à cabeça, porém se conteve. Não ficaria bem um escândalo naquele momento de tristeza. Conhecia todos os presentes, maioria seus funcionários.
Na manhã seguinte, bem cedo, o viúvo foi despertado com uma notícia terrivelmente mais dolorida: o túmulo fora violado.
Nenhuma joia sobrara. Nem os dedos. Os anéis não saiam com facilidade.