MISTÉRIOS DAS SEXTAS-FEIRAS*

Eu, minhas irmãs, meus primos e toda a garotada da rua não víamos a hora de chegar a sexta-feira, pois era o dia em que, segundo a vizinhança, dona Docas varava a madrugada, voando de uma árvore a outra do Barrerão, terreno que ficava por trás de nossos quintais e que era o lugar onde toda a criançada gostava de jogar bola, tomar banho nas cacimbas, soltar pipas e também esconder-se para não apanhar dos pais.

Como éramos três famílias morando em três casas, uma ao lado da outra, nossa frente era uma das maiores da rua. Daí alguns vizinhos reunirem-se à noite em nosso terreno para ouvir as histórias de lobisomem, matintaperera e outros bichos que vovó nos contava, ou para brincar de esconde-esconde, ou ainda cair no poço, uma das preferidas, principalmente pelos rapazes e moças, tudo sob a luz de dois lampiões.

Seu João, marido de dona Docas, ainda segundo a vizinhança, quando entrava na mata só se ouvia o barulho de animais correndo, assustados pelo imenso porco que costumava aparecer às sextas-feiras.

O sábado, coincidência ou não, era o dia em que dona Docas e seu João dormiam até mais tarde. Na rua, era um falatório só. – Vocês ouviram o assobio da Matintaperera, ontem? – dizia dona Coló aos filhos, tentando intimidá-los para que não fizessem traquinagens. – Eu vou entregar vocês pra Matintaperera, seus moleques! – As galinhas não pararam de cacarejar – dizia dona Rosa, uma das mais faladeiras. Cedo estava à porta de sua casa contando as últimas novidades da rua.

Dona Docas tinha o hábito de fumar cachimbo e seu João, imensos charutos feitos de palha de taquari. Passavam horas numa cadeira de balanço a soltar muitas baforadas.

Saíam muito pouco de casa e, quando o faziam, a garotada costumava apontá-los na rua. – Lá vem a Matintaperera, ou – Lá vem o Vira-porco, ao que dona Docas e seu João resmungavam umas palavras inaudíveis.

A casa deles ficava em frente à nossa. Era um barracão imenso com um quintal não menos grande, todo cercado. Nele havia mangueiras, cupuaçuzeiros, goiabeiras e jambeiros. Porém, por incrível que pareça, a molecada resistia à tentação de “roubar-lhes” alguma fruta do quintal. O medo da Matintaperera e do Vira-porco sobrepujava a vontade de saborear aqueles frutos apetitosos.

Certa vez desapareceu uma criança, o Arturzinho. Foi um “deus nos acuda”. Logo apareceram versões de que na noite anterior viram o menino entrar no mato e não mais aparecer. Era justamente uma sexta-feira. Culparam o Vira-porco. – Foi ele com certeza – diziam uns. Não, foi a Matintaperera – diziam outros. Até os ciganos levaram a culpa pelo sumiço do menino. Esses tinham a fama de roubar crianças incautas. O certo é que o garoto nunca apareceu.

Dos vizinhos, somente nossos pais tinham acesso à casa de dona Docas e seu João. Por isso sempre íamos à casa deles. Em nossos terrenos também havia muitas frutas, mas, quando íamos a casa de D. Docas, esta fazia questão que provássemos das mangas, goiabas ou outra fruta da época.

Ficávamos nos perguntando: – Por que será que falam tanto de seu João e dona Docas? Eles são tão amáveis conosco!

Como dissemos, a casa era grande e percorríamos toda ela, brincando. Toda não. Lembro que havia um compartimento onde dona Docas não deixava ninguém se aproximar. A porta ficava sempre fechada. Sabia-se somente que nele havia um grande baú. Isso aguçava nossa curiosidade. – Que segredos guardavam naquele quarto? Naquele baú?

Até hoje não sabemos que segredos eram esses, mas ainda guardamos na memória aquelas esperas pelas sextas-feiras, quando tudo podia acontecer.

* COSTA, LAIRSON. INSANIDADES, Belém: L & A Editora, 2002.