Roda gigante

Era uma roda gigante que toda noite aparecia em seus sonhos. Ela estava sozinha. Lá no alto, a roda parava e vinha uma vontade enorme de voar. Quando a roda se movia, ela acordava e se sentia mal. Esse sonho era repetitivo, porque diversão pra ela era como se fosse uma humilhação. Todos aqueles brinquedos, aqueles sorrisos... E a roda gigante com aquele tamanho... fazia com que ela se sentisse pequena no mundo e na vida!

Todos que vão à uma roda gigante nunca vão sozinhos. As cadeiras foram feitas para dois. Os engenheiros projetaram em meio a aço, parafusos, engrenagens e graxa espaço para casais românticos. Eles visualizaram os pedidos de casamentos, os primeiros beijos e, para os mais tímidos, o encostar das mãos.

Quando a corrente se fechou, o rapaz que substituía o técnico da roda gigante estranhou aquela menina, travestida de mulher, sentar-se sozinha; mas ele, meio bêbado, achou melhor não dizer nada, se quer brincar com a situação. Por ser uma terça-feira e o movimento nesses dias ser bem menor, não considerou a situação tão atípica.

O brinquedo parecia ainda maior com tão poucas pessoas, na verdade, eram apenas ela e mais três casais.

Começou a rodar...

Na primeira volta, depois de ver a cidade toda apagada, as luzes dos postes e as lâmpadas amarelas do parque, ela se sentiu bem. Era uma brisa gostosa. A altura lhe casou um bem estar, uma calma.

Na segunda volta, ela olhou para baixo e viu um casal feliz se beijando. Não dava para ouvir o que eles diziam. A roda, nesse momento, pareceu se agingantar e, em um repente, parou. Ela não conseguia tirar os olhos do casal apaixonado.

Seu coração se fechou. O ódio tomou conta de seu corpo. Os dentes cerraram. A boca roxa tremia. Agora o frio a possuía por inteiro!

Finalmente a roda gigante se movimentou, foi um alívio!

A decisão já estava tomada: seria sua última volta!

Ela se certificou que o parque já estava fechado. Era ela, os três casais e o rapazinho bêbado que ligava e desligava o brinquedo.

A roda gigante parou. O ângulo era o certo. Foi exatamente como planejara... calmamente ela se levantou. Não houve gritos, nenhum barulho se quer!

Os felizes casais colocaram a mão na boca. Incrédulos! O bêbado que apertava o botão, esfregou os olhos para ter a certeza de que não era delírio do álcool.

Contudo, a única coisa que restou foi a dúvida. Por que meu Deus? Por quê?

Paulo Carvalho
Enviado por Paulo Carvalho em 23/06/2020
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