QUANDO OS ANJOS DIZEM AMÉM

Todos os dias, invariavelmente às 4h30, João Pedro se dirigia para a CEASA com seu carrinho de mão. Comprava três ou quatro réstias de alho, enchia o carrinho com frutas, daquelas descartadas pelos feirantes e saía para vendê-las em outros locais.

Era assim que sustentava a família: esposa e três filhos. O que não conseguisse vender, era consumido em casa e, às vezes, era só o que tinham para comer durante o dia todo.

Lucas, o mais velho da prole, tinha uma enorme curiosidade para saber como o pai fazia para vender seus produtos e tanto pediu para acompanhá-lo que, um dia, viu seu sonho realizado. João Pedro foi à CEASA e na volta passou em casa, para pegá-lo.

O menino acompanhava o pai, feliz e saltitante, como se tivesse ganhado o melhor presente de sua vida. O pai contava-lhe histórias, conversava sobre os locais por onde passavam, dava-lhe dicas sobre como ser um bom vendedor de frutas. Também estava feliz.

Naquele dia, contudo, ninguém estava disposto a comprar e à medida que andavam e não vendiam, João Pedro ia ficando silencioso. Já pouco falava com o filho.

O carrinho continuava cheio. As réstias de alho, enrodilhadas no pescoço de João Pedro, continuavam intactas. As horas passavam e a fome corroía o estômago de Lucas. Ele olhou para o relógio da igreja e sentiu que a fome apertou ainda mais, porque já passava do meio-dia. “Hora de ir para casa almoçar”, pensou. Mas o almoço dependia do que vendessem; portanto se a sorte não melhorasse um pouco, naquele dia, como em tantos outros, só comeriam maçã e laranja.

Teriam que insistir durante mais alguns minutos.

A voz de João Pedro, todavia, ao anunciar o produto, mudara de tom, contaminada que estava pela desesperança. Saía fraca. Tanto que Lucas, percebendo que o pai se rendia à derrota, resolveu pôr em prática o que há pouco aprendera e passou a gritar:

-Olha, cliente, a maçã, a laranja, o alho!

Repetiu a cantilena várias vezes, mas não adiantou. Aquele dia, estavam mesmo azarados.

- Quem sabe no cais a gente tenha mais sorte; lá, há sempre alguém que compra alguma coisa, disse João Pedro, sem nenhuma convicção.

Tentaram no cais, mas ninguém prestava atenção neles. Era como se estivessem invisíveis.

Derrotados, começaram a voltar vagarosamente para casa. João Pedro caminhava mergulhado no mais profundo silêncio, empurrando seu carinho, de cabeça baixa. As réstias de alho pesavam sobre seu pescoço, obrigando-o a caminhar arcado. Lucas, compadecido, olhou para o pai e percebeu que chorava. Lágrimas de impotência, silenciosas e tristes. A cena, que lhe apertou o peito, motivou-o a fazer alguma coisa, para, pelo menos, minimizar o sofrimento do pai. Então, disse o que primeiro lhe veio à cabeça:

- Não chore, pai. Quando eu crescer, vou ficar rico e vou lhe dar muito dinheiro, aí o senhor nunca mais precisa precisa vender frutas, nem alho, nem chorar. O professor da escolinha de futebol disse que sou muito bom e que vou ficar famoso.

- Sonha, filho, sonha... pensou um pouco e acrescentou: Um dia, tu vais ficar, com certeza, muito famoso como jogador de futebol. Os anjos estão dizendo amém, podes crer.

Falou apenas para não desapontar o filho, porque, no que ele acreditava, mesmo, era no seu árduo trabalho, que mal dava para oferecer à família uma triste vida, pouco mais que miserável.

Lucas tinha seis anos, frequentava a escolinha de futebol da comunidade e era, de fato, mais que uma promessa, como dizia seu professor. Quando completou doze anos, um olheiro de um grande time europeu procurou João Pedro, a quem fez uma proposta irrecusável, para levar o garoto.

Por conta do contrato, João Pedro passou a morar com a família numa boa casa e a ter um salário razoável.

O sonho de Lucas começava a virar realidade.

Sete anos depois, consolidado entre os maiores jogadores do mundo, Lucas presenteou à família com uma bela mansão.

Promessa comprida.

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 15/08/2020
Reeditado em 28/08/2023
Código do texto: T7036258
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