Onírica - Em sonhos

Onírica beija seu homem com lábios de fome. Em suas narinas o almíscar que se exala a desperta para o acasalamento. Os olhos amantes são verdes no instante em que a envolvem, vorazes e veludosos, mas reverentes, como Onírica espera que sejam. Línguas se tocam, rápidas e fugidias, brincalhonas, nas bocas que se abrem em busca de ar-amor. Logo, os olhos gentis-homens se fecham, transmudam-se em azuis. Cabelos castanhos são agora negros como a noite que protege e oculta Onírica e seu amor de Pandora.

Onírica sente seu corpo esvair-se, exceto uma parte, que é calorosa, receptiva, incandescente. Seu amor sabe então à luxúria.

Ora velozes, ora lentos,

muitos amores palmilham a geografia do corpo

seu arfar é gozo

sua pele incandesce

Onirica respira fogo

O Paraíso explode silente

Onírica está em paz. Sente-se plena em seu abandono. Seus amores são dúcteis, acalentadores, perfeitos. Onírica fecha-se em seu castelo. Morfeu está nela.

***

O barulho insistente penetra os ouvidos e o cérebro de Onírica, como insetos inoportunos, fantasmagóricos. Não é dia nem noite, apenas um vago despertar.

- Alô?

- Oi filha. Tudo bem com você? Demorou tanto para atender ao telefone.

- Ah...oi mãe. Tá tudo bem. Só estava dormindo um pouco.

A voz do outro lado se cala. Breve incompreensão.

- Você precisa ser mais ativa, meu bem. Se divertir, fazer ginástica, sair mais à noite. Vive sempre tão trancada nesse apartamento.

Onírica olha para o abajur cor de carne, depois para a garrafa de vinho quase vazia e para os dois copos. Quer desligar a mãe.

- Puxa, mãe! Eu já disse que tô bem. Não acho que ficar correndo numa esteira vá me tornar algo muito mais interessante do que já sou.

A voz agora é acariciante, convincente. Onírica sente o estômago pronto a lhe declarar guerra sem quartel.

- Você sabe do que estou falando, querida. A propósito: não deixe de estar pronta hoje à noite, por volta das nove. Quero que conheça o sobrinho da Amanda Marins que chegou da Europa. É um rapaz encantador e um excelente partido. Já falei de você a ele e ficou curioso em conhecê-la.

Uma coisa grande e grossa se forma no estômago de Onírica e ameaça subir-lhe pela garganta. Mas é gentil, quase ridente ao responder.

- Sei. Mais um daqueles cavalheiros encantadores que podem ser usados como arma contra a insônia.

- Ora, minha filha. Se você partir sempre do ponto de vista de que seus pretendentes são todos idiotas irrecuperáveis acabará sem qualquer opção.

Os engulhos em Onírica a obrigam a contemporizar, a fazer sua boa ação do dia.

- Vou ver o que posso fazer mãezinha. Posso voltar a dormir agora?

- Mas já são 11 horas!

- Mãe, por favor!

- Está bem. Mas não se esqueça de hoje à noite. Use algo bem leve. Um beijo.

Onírica quer explodir em luzes no céu escuro

Ser vista mas não tocada por mãos de carne

Quer voar sobre altiplanos

Repousar em penas de ganso

Sua boca não precisa emitir sua angústia

Onírica olha o mundo despovoado do alto de uma montanha

***

Noite. Onírica olha e suspira. Prende a respiração, estremece. Seus olhos encadeiam-se com o homem de luz e néon. Sua respiração irregular prenuncia. Pensamentos voltam e se revoltam em sua cabeça toda feita de quimeras, de quereres alucinados.

O telefone toca. Insistente. Violador. Mas Onírica o suprime com um gesto, com gosto. Onírica agora está em si apenas. Deita-se sobre o sofá. Devaneia. E é então que o príncipe retorna. Fogoso, exigente, de olhos negros e ardentes. Onírica se entrega. É amada. Se ama.

Onírica agora voa sobre nuvens diáfanas

Onírica desce à lascívia de si mesma

Onírica está realizada em si

Seus sonhos sabem a ouro

Sua boca está untada de sangue brilhante

Seus dedos amam como ninguém

***

Plim-plim

Elias Santos Silva
Enviado por Elias Santos Silva em 13/11/2005
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