Descanso

Eloi descansa em paz.

Cercado pelas quatro filhas, pelas quatro netas e pela esposa, finalmente encontrou a paz que buscava nos bares. Com mãos trêmulas e lágrimas nos olhos, Tereza, a exemplo das filhas, despediu-se beijando-lhe a testa e afagando-lhe os ralos cabelos brancos, pela primeira vez em quase vinte anos.

Naquela tarde quente, com a visível piora do marido, Tereza saiu para comprar-lhe um terno e sapatos novos. Gostou do breve passeio pela Rua XV e imediações da Praça Rui Barbosa, até tomou um sorvete barato com cobertura artificial de kiwi. Eloi, que sempre se vestiu com desleixo, depois de morto usaria terno e gravata, ao gosto da esposa.

No último ano, o tratamento no Hospital Erasto Gaertner surtiu pouco ou nenhum efeito, quando não causou ainda mais sofrimento que a própria doença. Quando todos imaginavam que o câncer havia cedido, voltou com força plena e, em poucos dias, derrubou de vez o Polaco, como era chamado pelos irmãos.

Alcoólatra e perdulário, Eloi nunca foi capaz de guardar um único centavo para a família. Quando tinha dinheiro costumava freqüentar as festas nas colônias próximas a Irati, sua cidade natal, e pagar bebidas e acepipes para os amigos. Quando não tinha, recorria às continhas nas bodegas onde jogava truco todos os dias.

Desde que se casou, aos dezesseis anos, Tereza recebia uma ínfima parcela do salário do marido, para com ela prover o sustento das filhas e pagar as poucas despesas da modesta casa de madeira onde viviam. No dia do pagamento, desesperada com a demora do marido, mandava uma das filhas buscá-lo no bar, para que o salário não desaparecesse por inteiro. Alegre e vermelhão, Eloi comprava balinhas para as meninas e trazia lingüiça de colônia e sardela enroladas em jornal, que deixava as notícias impressas nas iguarias do dia do pagamento.

Um dos genros cuidou da transferência do corpo, devidamente vestido com o terno novo, mas sem os sapatos que atrapalhariam a cobertura de flores do caixão. O corpo seria velado no Salão da Paróquia São Francisco. A Capela do Cemitério Municipal já estava ocupada por outro velório. Tereza não gostou do local, que era um pouco retirado do centro e, segundo ela, prejudicaria o afluxo de conhecidos, parentes e até mesmo de curiosos.

Eloi bebeu pinga, fumou palheiros e torceu pelo Vasco desde a infância. Foi um péssimo marido e um pai alienado, mas que amou verdadeiramente as filhas, embora não soubesse demonstrar. Exceto quando bebia e, com lágrimas, relembrava quando uma delas desmaiou e teve certeza que a filha estava morta. Naturalmente Eloi estava enganado, como em quase tudo que se referia às filhas ou às suas escolhas de vida.

Tereza permaneceu aflitíssima durante o velório. Preocupou-se com a qualidade do café servido, com o horário do almoço, com o papel higiênico nos banheiros e com mosquinhas que insistiam em se aproximar do falecido. Como discretas mosquinhas, os vários amigos vermelhões apareceram para as despedidas. Todos silenciosos. Todos retirando seus bonés sujos. Todos se persignando e rezando baixinho diante do velho amigo de bodega.

O diácono que encomendou o corpo, não conhecendo Eloi, exaltou suas qualidades paternas e seu bom exemplo cristão na condução da família aos pés de Cristo. O féretro chegou pontualmente às 17:00 horas no Cemitério Municipal. O túmulo foi cuidadosamente pintado e preparado conforme instruções prévias da viúva. A coroa de flores foi depositada sobre a sepultura, cuja placa trazia nome e sobrenome do falecido, bem como os anos de seu nascimento e morte.

Últimas preces, últimas despedidas, últimas lágrimas. Alguns parentes de Ponta Grossa e outros de Guarapuava convidaram-se para um café na casa de Tereza. Ela não teve escolha a não ser levá-los para casa. Café, bolo, piadas e fofocas selaram os funerais de Eloi.

Por alguns dias filhas e netas ainda permaneceram na casa. A bagunça diminuiu um pouco, não a aflição de Tereza. Finalmente todas foram embora. Naquela tarde, Tereza faxinou a casa com esmero. No fim do dia, tomou um banho demorado e vestiu seu pijama predileto. Preparou um chá com biscoitos amanteigados, sentou-se na sala e ligou o televisor para assistir a novela das oito. Respirou profundamente e por um instante lembrou-se de Eloi aos vinte anos. Pensou nas filhas criadas, nas netas e nos últimos dois anos da doença do marido. Agora, sozinha em casa, sentia o paradoxo da tristeza e do alívio. O aroma da bebida ocupava a sala. Tereza observou o próprio reflexo no vidro da janela e se deu conta de quantos anos vivera com Eloi. Brindou a si mesma e tomou um grande gole de chá.