O PRESEPIO DE MARINA

Toda vez que abria o sinal, Marina corria com suas caixas de balas para o calçadão do outro lado da rua e ficava olhando admirada a vitrine da "Loja de Natal" mesmo sofrendo o preconceito expressivo nos olhares de algumas vendedoras que achavam que "a trombadinha" afugentava os clientes.

Os enfeites e presentes da loja com toda sorte de árvores, pisca-pisca e bolas contrastavam com sua pobre realidade de criança que vendia balas no semáforo para poder levar uns trocados pra casa.

Entre tudo o que via na loja o que mais a encantava eram os presépios. Havia de todos os tipos, tamanhos e preços e ela queria muito dar um de presente para a mãe naquela noite, pois já tinha aprendido com ela o verdadeiro significado das festas de Natal.

Depois de vender balas durante toda a tarde e faltando apenas quinze minutos para o fechamento das lojas, que devido à data fecharia as seis, a menina entrou no comércio que tanto a fascinava e perguntou para uma das moças depois de colocar algumas notas e um monte de moedinhas no vidro do balcão:

_ Moça, com esse dinheiro dá pra comprar algum presépio?

A atendente olhou, contou o dinheiro e respondeu em tom fraternal:

_ Meu anjo, qualquer presépio aqui é pelo menos o dobro do preço que você pode pagar.

Marina baixou o olhar e saiu da loja meio desapontada, mas pensando que talvez fosse melhor assim, usaria o dinheiro para comprar pão e pilhas para o dia seguinte.

Antes de voltar pra casa, passou no "Mercadinho do Argemiro" e comprou o que precisava: pães, pilhas pra lanterna, velas e um pacotinho de suco em pó.

Já no caixa o dono do mercado falou:

_ Espere um pouquinho ai! – saiu, entrou em um dos corredores e voltou pouco depois com uma caixa de panetone.

_ Toma filha, leva pra Dona Isaura, sua mãe. Fala que é um presente meu e que desejo a vocês um Feliz Natal.

Marina agradeceu a oferta e se dirigiu pra sua casa com as compras.

_ Oi mãe, a benção.

_ Deus te abençoe minha filha. E aí, conseguiu vender alguma coisa?

_ Um pouco. - Ninguém quer comprar balas se o Papai Noel as distribui de graça.

A mãe não disse nada. Ficou refletindo sobre o que a filha tinha falado. Coitada tão nova e já tão experiente sobre as mazelas do mundo: a miséria, as desigualdades e a morte.

Interrompeu o pensamento falando pra filha:

_ Não tem importância. Talvez a gente de mais sorte com o "Boas Festas".

A filha deu de ombros.

_ E as pilhas, filha? Comprou?

_ Comprei sim e o "seu" Argemiro mandou esse panetone pra gente, disse que era um presente e que nos desejava um Feliz Natal.

_ Ai, graças a Deus! Já estava pensando que não teríamos nem um pãozinho para a Ceia.

_ E essas frutas? O que são? – indagou a menina olhando para a mesa.

_ Eu as peguei no final da feira. Vê como eles estão jogando tanta coisa "boa" fora. Depois vou ver se aproveito as partes menos podres e faço uma salada de frutas.

A menina ouviu calada, estava com sono e cansada, disse que queria tomar um banho.

_ Isso, toma um banho e deita um pouquinho. Na hora da Ceia eu te acordo. Quer que eu esquente a água?

_ Não mãe, pode deixar, que eu tomo no frio mesmo. - Volta pra cama! A senhora precisa repousar.

A casa estava sem iluminação. Contas atrasadas, luz cortada. Um vizinho até se ofereceu para "puxar um gato", mas Dona Isaura recusou, pois bastava ser pobre, ainda queria ser honesta.

Mais tarde, por volta da meia-noite, a mãe foi até o quarto, guiada pela luz da lanterna. Acordou a filha e lhe entregou um embrulho enrolado em papel de pão.

_ Comprei pra você. Você sabe, não é novo. Comprei no bazar de Dona Margarida, mas esta bonitinho pra usar.

A menina abriu o pacote e se deparou com um lindo vestidinho rosa que tinha margaridas com miolo de botão.

_ Obrigado mãe. – Pra senhora eu queria dar um presépio só que o dinheiro não deu.

_ Não se preocupe com isso filha, meu maior presente é ter você, bonita, com saúde...

As duas se abraçaram e se beijaram. Ficaram assim por um momento recordando os Natais passados, tempo em que tinham fartura na mesa e Dona Isaura e o filho trabalhavam.

Agora eram só elas duas. O pai, Marina nunca conheceu; a mãe sofria com um problema sério na coluna que a impedia de trabalhar como doméstica e o irmão tinha falecido dois anos antes, alvejado por uma bala perdida a caminho do trabalho, durante um tiroteio entre bandidos e policiais.

_ Filha, faz um favor pra mãe: Vai lá no fundo e chama o vôzinho pra vir comer um pedaço de panetone com a gente.

Marina atendeu a mãe e foi chamar o vizinho, "seu" Aurélio. Era um velhinho de uns oitenta anos, tão pobre quanto elas duas. Tinha sido abandonado ali pelos filhos e dizia que se seus filhos fossem ricos provavelmente ele estaria em um asilo. Dona Isaura e a filha gostavam muito da companhia do velhinho e de ouvir suas historias e também ficavam sensibilizadas com a sua situação.

Na hora da Ceia, a anfitriã pediu para que fizessem uma oração.

_ Então é melhor acender as velas. – falou Marina e a partir daí teve uma brilhante idéia.

Abriu o pacote de velas. Retirou duas e cortou uma delas um pouco acima da metade.

Foi até o quarto, retirou uma folha do caderno e escreveu alguma coisa a lápis.

Voltou pra cozinha e montou o conjunto de velas como se fosse um presépio: a média à esquerda, a menor no centro e a maior à direita. Acendeu a todas e colocou a folha de caderno embaixo do pires que servia de base para o arranjo.

_ Mãe, aqui está o nosso presépio.

A mãe sorriu emocionada e os três começaram a orar. Agradeciam pela vida, por terem uma Ceia de panetone, salada de frutas, suco de laranja e pão e pediam para que o "Papai do Céu" providenciasse para o ano seguinte ou maior fartura ou a melhoria de saúde de Dona Isaura.

Oraram diante do "novo presépio" que flamejava ao sopro do vento na humilde casa e no qual podia ser lido escrito com letras de criança uma grande verdade: "Jesus Cristo é a luz do mundo