_________O Abominável Homem da Noite

 
Desolada, Cirana olhou a fumaça preta do 2047, que acabara de arrancar no ponto da esquina. Mentalmente, amaldiçoou o Dr. Baltazar: só mesmo um chefe muito tirano para inventar de ditar carta já no fim do expediente. Pensou também que morar no Santa Rosa era muito bom, desde que nada desse errado. Pronto! Agora era pé na estrada e andar por mais de 1 hora!

A noite desceu cerrada. À sombra das marquises, Cirana apertou a bolsa contra o peito e pôs-se a passos largos pela rua já sem transeuntes. De repente, deu pela presença atrás de si. Não teve coragem de olhar, mas os passos, modulados ao ritmo dos seus, não deixavam dúvida: estava sendo seguida.

Cirana tremia: estar na mira de alguém era aterrorizante. Arrepios percorriam-na de alto a baixo. Sentiu o suor frio a grudar-lhe nas costas. O coração batia acelerado, as pernas pareciam não lhe obedecer. Quase à sua nuca, a voz meio rouca bafejou-lhe: — Ei, linda! Nem a passos largos lhe alcanço? Pânico! Em desabalada carreira, a moça gritou por socorro, mas seu clamor se perdeu na rua vazia. De súbito, sentiu duas potentes mãos puxando-a fortemente pelos ombros. Em meio ao que  soou-lhe como a mais sinistra das risadas, julgou ouvir: — Amor! Sou eu!

Amor? Sou eu? O pilantra do Cadinho! Beijou o marido como nunca, apertando-o até quase sufocá-lo. O sádico ria: — O carro tá ali no posto, vamos? Era só uma brincadeira, amor. Ainda em choque, como uma criança desnorteada, ela se deixou levar. De repente, um ódio insano, quase mortal, ferveu dentro dela. Teve certeza absoluta — e nada a faria mudar de ideia: ia pedir o divórcio daquele abominável homem da noite.