Eu ia fazer uma coisa que ela nunca teve coragem. Eu ia matar meu pai!

Mais um grito, meu irmão chora no berço, ele normalmente não chora, ele tem apenas quatro meses, mas só chora quando meu pai espanca minha mãe, ele sempre acorda com o barulho da cabeça da minha mãe na parede, no resto do tempo ele apenas dorme.

Talvez ele durma porque ele não quer ver o que acontece, muitas pessoas fazem isso. Desde que ele nasceu minha mãe apanha todas as noites... ela apanha desde que se casou com meu pai, só não apanha aos domingos, que é quando ele vai à igreja, ele é evangélico.

Uma vez tive coragem e perguntei porque ele batia na minha mãe.

-Pelo mesmo motivo que você vai levar uma surra agora!

Nunca mais minha visão voltou ao normal, passei cinco dias internado, a mãe disse no hospital que eu tinha sido atropelado, eles não acreditaram... ela tinha o rosto inchado e roxo da ultima surra.

Ela diz que é o demônio que faz isso, disse que ele era uma pessoa boa, que foi a mãe dele que era macumbeira e ofereceu ele pro demônio... eu não acredito, a mãe de um amigo meu é macumbeira e nunca fez nada disso, ela é super boazinha, quando é dia de Cosme e Damião eu nem preciso ir na rua pra pegar bala, ela passa lá em casa bem cedinho e deixa um monte de doces,eu como escondido, a mãe diz que é do diabo e que faz mal, nunca passei mal. Eu não entendo, meu pai diz que é filho de deus e bate na minha mãe e moça das balas é do diabo!

Eu já tentei fazer meu pai parar de bater na minha mãe, eu vi o moço da televisão dizendo que quando isso acontecer a gente tem que ligar pra policia, eu fiz isso mas não adiantou nada, meu pai deu cinqüenta reais pro policial e enfiou a porrada na mãe, foi nesse dia que ela perdeu um olho, ela caiu em cima do abajur e vazou o olho, nunca ouvi um grito como aquele. Ele nunca soube que fui eu que liguei.

Mas hoje isso vai acabar, eu peguei a arma do pai do thiago, achei na gaveta do pai dele quando eu fui fazer trabalho na casa dele,

eu estou na segunda serie, devia estar na quarta serie mas eu repeti, a tia disse que eu sou muito burro, que eu não devia ter nascido, isso também vai acabar.

Só escuto o som da parede e um gemido baixo, minha mãe não grita mais, ela sabe que se ele gritar ela vai apanhar mais. Ele esqueceu de trancar o quarto.

Ele vai se arrepender de ter esquecido...

O metal é frio, estou pronto.

Minha mãe me viu primeiro

Ela viu minha arma e sorriu.

Mesmo ensanquentada, sorriu.

Eu nunca a tinha visto sorrir.

Ela sorriu não de felicidade, nem pela sede de vingança.

Ela sorriu porque ela tinha orgulho de mim.

Ela sorriu porque eu ia fazer o que ela sempre quis fazer.

Eu ia fazer uma coisa que ela nunca teve coragem.

Eu ia matar meu pai!

E atirei...

O sangue jorrou e o grito ecoou.

Braço dele escorria sangue igual no filme de terror que eu vi.

Olho dele brilhava de ódio.

Seu rosto era de um demônio.

Ele veio pra cima de mim,

ele tinha uma vassoura quebrada na mão.

A vassoura perfurou meu peito como uma faca cortando uma manteiga.

Senti gosto de sangue na boca.

Atirei pela segunda vez, dessa ele não escapou,

perfurei o intestino.

Como eu sei? Senti o cheiro de merda...

Disseram que quando se perfura o intestino espalha merda por dentro.

Senti aquele cheiro e sorri, ele esta morto.

Nesse momento estou morrendo com ele ao meu lado,

minha mãe ta desmaiada, desmaiou sorrindo, na parede tem sangue.

Me vejo na tela da televisão desligada, há algo estranho.

O que é aquilo na televisão?

Meu irmão parou de chorar.

Não estamos sozinhos na sala!

Rafael uruguay
Enviado por Rafael uruguay em 06/11/2007
Reeditado em 11/11/2007
Código do texto: T725236