Photo by Chris Curry on Unsplash

Enquanto arranjavas o cabelo, olhei pela janela. O mesmo cenário dos últimos dias, o mesmo homem e a mesma carrinha preta, ambos se fundiam com o ambiente circundante, enquanto alguns cães vadios corriam, ladrando a bom som e os vizinhos somavam dores de cabeça sem saber o que realmente os guiava.

Enquanto o homem fazia os mesmos gestos, com vista para a estação de comboios, sonhava com as árvores frondosas que antes circundavam o que agora é betão, ia pela linha do comboio e apressava-me para não ser visto por um outro homem estranho, atrás de uma carrinha  preta. O que se passaria lá dentro, era algo que não tencionava descobrir. Dava mais voltas na cabeça, naquilo que se transformara num pesadelo.
E agora estava um homem estranho atrás de um caro carro preto, enquanto te arranjavas e me falavas das maravilhas de viver no centro da cidade, perto do consumismo. Assustar-me-ia se não te amasse tanto e talvez fosse ter com o homem estranho, possivelmente no centro de outra cidade, onde estaria um portal atrás de um carro que me levaria para novas doses de vida, menos consumistas.

Saimos, pelo centro da cidade, mesmo ao lado do Castelo, onde os homens estavam todos em poses estranhas, atrás de todos os carros com segredos, porventura estranhos. Fui ter com um deles, com olhar inquisidor para saber o porquê de causarem tanta tormenta na minha cabeça.

Fiquei preso atrás dum carro, em pleno centro histórico. Fez-se luz. O homem estranho afinal era eu.

Hoje sei que ando sumido. A vida assume-se como um mero episódio cruel se não tiver cuidado com os vislumbres negros de cada pose estranha, advinda de actos que transformam a dignidade em silêncio, em desamor pelos momentos simples que libertam a vista dos homens estranhos.
Manuel Marques
Enviado por Manuel Marques em 29/09/2021
Código do texto: T7353054
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.