Raízes

No primeiro ensinamento, disseram-me que deveria conduzir minha vida tal qual uma pedra. Dura, robusta, resiliente, incapaz de ter sua constituição imutável perfurada por quaisquer estímulos externos e composição vital interior tão estática quanto o fulgoz manto negro que assoalha o universo.

Eu o questionei, porém.

Por mais dura, pesada e resiliente a pedra fosse, as intempéries inevitáveis destas frias terras seriam o suficiente para carregar a pedra para qualquer jornada que fossem de seus agrados, e se destino, paradoxalmente, fruto da fúria das tempestades, perversidade das chuvas e narcisismo das enchentes. E a pedra nada poderia fazer. Seus minerais nunca foram beijados pela liberdade. Nunca dançaram com a mudança. Seus olhos nunca vislumbraram o horizonte do sentimento e a brisa da emoção.

Eu o recusei.

No segundo ensinamento, disseram-me que eu deveria ser como a água. Forma fluida, dotada das milhares de possibilidades de assumir a forma que mais lhe é conveniente, a antítese perfeita da rocha. Permeável a todos os sentimentos, emoções, experiências e aprendizados semeados pelos oceanos que regem nossas jornadas.

No entanto, houveram detalhes que me fizeram questionar a veracidade disso.

A água, por si só, é frágil. Frágil perante o deus sol. A bênção do gigante astro sentenciaria o líquido à instável vida como um elemento gasoso. Condenado à visível invisibilidade, sem lugar para ocupar. Ademais, a água é desprovida de qualquer instrumento que possa lhe dar identidade. Não possui um desenho próprio, assumindo a forma que o meio lhe impõe, sem poder lutar contra ele. Além disso, és como uma tela em branco. Sem cheiro que denunciasse sua chegada, sem sabor para dar encanto e sem cor para ser lembrada. E tal qual uma tela, qualquer gota de substância externa, não importa sua constituição, contamina sua essência, e sua remoção só é concluída com o seu perecer.

Novamente, a voz da minha negação ecoou ao meu redor.

No meu terceiro ensinamento, disseram-me que deveria ser como uma árvore. Somente uma árvore. Um ser vivo. Uma pele dura, porém não impermeável quanto a de uma rocha. Os ventos da natureza poderiam tirar-lhe as folhas e os teus frutos, porém nenhum vento seria capaz de tirar seu corpo do chão onde mora. Uma vez que a árvore fixa as suas raízes firmemente no chão, nenhuma força da natureza seria suficiente para carregá-la e levá-la para algum rumo à seu bel prazer. Ademais, estas raízes também poderiam bebericar da profunda e densa água do subsolo e surrupiar dela os nutrientes essenciais para uma existência quase vitalícia. E, diferente da água, a árvore não se deixaria influenciar pela essência do seu meio. Por mais que seus prolongamentos inferiores possam estar expostos a qualquer tipo de malefício orgânico e mineral, sua constituição só guardaria toda a bondade e toda a essencialidade para seu ser. Além disso, suas firmes linhas não adotariam os contornos desenhados por outros meios. Seu crescimento é singular. Sua dança é somente dela para dançar. Sua cor, suas curvas e suas retas são regidas pela lei de sua própria natureza. E por fim, foi-me ensinado que, enquanto a rocha é fechada para o mundo exterior, impossibilitada de oferecer parte de si mesma e a água só poderia oferecer seu corpo para o meio, sem entregar gotejos de personalidade, a árvore pode largar seus frutos ao chão, dotados de seu único perfume, cores que refletem a sua alma e um sabor que reproduz sua doçura.

Meu último ensinamento.

É o ensinamento que eu adotei.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 10/11/2021
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