ENCONTRO EM OUTRA ESFERA DA VIDA

   No alvorecer de um dia atípico eu encontrei Sóstenes, que me falou de toda sua tristeza. Fazia tempo que não nos víamos devido a falta de vontade de um diálogo franco de sua parte a respeito de problemas familiares que causaram mal estar entre vários membros da família. A manhã estava tal qual ele, o ar que respirávamos não tinha muita chance de melhorar, mesmo com um sol fraco, um pouco acanhado. Os pássaros, no entanto, gorgeavam com mais vigor nas árvores, o céu acinzentado e sem nuvens não era o espetáculo que eu sempre gostava de admirar, mas mesmo assim dei toda atenção possível para ouvir os seus lamentos, percebendo que algumas lágrimas rolavam pelas suas faces. Já estava tão acostumado com a solidão deste mundo um tanto estranho que nem me entusiasmei com a conversa. Sabia que poderia ouvir muitas mentiras suas, apesar de aqui ser muito diferente do mundo em que vivíamos, ao redor de coisas boas e ruins, mais ruins do que boas. Vi que havia uma certa transparência em suas afirmações, que de certo modo estava sendo honesto no que dizia e isso me fez prestar mais atenção no diálogo e aguardar o resultado.

   A vida nunca é como desejamos, sempre existem empecilhos para nos testar de coisas que almejamos mas não temos condições de ir em frente, ou seja, nem sempre estamos preparados para conseguirmos o que queremos sem nos esforçarmos. A força de vontade é essencial para termos o que está a nossa frente sem apressarmos os passos para o que a vida nos apresenta. Foi exatamente o que aconteceu com Sóstenes, que deu um passo além das pernas e foi punido por isso. A sua pena foi um recuo do seu modo de pensar, seu cérebro tornou-se praticamente uma "caixa de pensamentos involuntários", melhor dizendo, não conseguia agir corretamente, o juízo perfeito lhe faltava em certos momentos e ele se sentia menosprezado quando executava qualquer ação que feria a dignidade dos outros. Achava ele que agia certo e era aquilo que queria. De posse de suas faculdades mentais normais, quando estava lúcido, não recordava de nada e não admitia interpelações. O fato é que, em um momento de loucura, ceifou a vida da própria irmã, ocasião em que foi conduzido a um manicômio onde permaneceu internado e sob vigilância. Na base de medicamentos fortíssimos seu corpo não suportou e foi a óbito durante uma confusão com outros internos.

   Ouvi Sóstenes com bastante calma, foi sincero em suas afirmações, procurou se desculpar, mas agora o tempo era outro, estava sendo obrigado a seguir novas regras, o que me parecia não ser bem aceitas por ele mas que não dispunha de outra opção. Aqui onde ora estamos o processo de transformação da alma é muito rígido e não tem como ser evitado. Ou o sujeito se transforma espiritualmente ou passa para outro estágio de vida que o deixará pior. Cabe a cada ser que a este mundo chegou tomar as devidas precauções para obedecer cegamente o que lhe é apresentado como trabalho e com isso subir alguns degraus no aprendizado que o levará a uma situação mais confortante.

   Como seu amigo em época passada sofri revezes quando procurava ajudá-lo em suas crises freqüentes. Agora tendo encontrado ele neste estágio de vida, coisa do destino, procurei ser o mais justo possível, já que a sua mente hoje é outra, mas guarda um pouco de ressentimento, o que pode lhe prejudicar em sua evolução. Suas considerações me deixaram otimista, a clareza de sua conversa me deixou confiante de que daqui prá frente sua vida vai melhorar.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 24/01/2022
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