Nosso almoço aos Domingos

“Lula e Bila” vão pegar a galinha senão o almoço de hoje vai atrasar!” –Assim falava a saudosa mamãe Júlia, em um pitoresco Domingo, após chegar da missa que fora celebrada na Igreja do Rosário, Bairro da Prata, onde fui batizado no idos de 1949.

Wilson e Williams já sabiam que teriam de suar bastante para garantir a refeição regada a guaraná e frutas da época. O quintal da casa não era pequeno, media 12 metros de largura por 28 metros de comprimento.

Eles já estavam acostumados a esse ritual, mas não conseguiam capturar a ave antes de pelo menos trinta minutos... entre escorregões e quedas hilariantes, atropelos, risos e impropérios que a raiva e a paixão lhes ensinavam.

Todos os Domingos o ritual se repetia. Naqueles dias o almoço era especial, não que fossem pífios e singulares os outros dias da semana, mas era como se fosse uma tradição a ser mantida religiosamente entre a família humilde, mas já emergente.

Os irmãos adolescentes não sabiam que um personagem bíblico chamado Sansão fora capaz de capturar trezentas raposas, amarrou-as duas a duas pelos rabos e prendeu em cada par de rabos uma tocha. Pôs fogo nas tochas e soltou as raposas nas plantações de trigo dos filisteus (Juízes: 15, 4/5).

O semideus Sansão, nascido de mãe estéril, havia que ser de fato um homem excepcional, pois caçar trezentas raposas, quando os dois irmãos jovens (Wilson e Williams) tinham dificuldades em pegar uma simples galinha...

Se lhes contassem sobre Sansão acreditariam eles nessa proeza? Alguém já viu ou é capaz de imaginar a agilidade de uma raposa correndo na pradaria? Alguém acredita? Para ser sincero: eu não acredito! Atenção: respeito os registros bíblicos!

Digressões à parte, quiçá inúteis, semelhantes às discussões sobre o sexo dos anjos, voltemos aos Domingos em que a família Muniz comia bem e fartamente. À época, ninguém se preocupava com o colesterol, esteatose hepática, obesidade mórbida. Comer muito e bem era o que interessava em nossos almoços aos domingos.

Além da galinha, às vezes eram duas, que dera imenso trabalho para ser apanhada, havia torresmo, carne de porco, carne-de-sol, bode assado e guisado, pombas-de-arribação secas e salgadas, lingüiça defumada, ovos cozidos de galinha, ovos de codornas, macaxeira, inhame, milho cozido, feijão, arroz, macarrão, cuscuz, farinha, salada verde e frutas variadas.

Aos Domingos a família Muniz se reunia e se regalava de verdade. Histórias eram contadas. Exemplos edificantes eram exaltados. Todos sorriam e aprendiam com o papai que se esmerava nos trejeitos e mímicas próprios dos teatrólogos.Todas as sobras, geralmente sobrava muita comida, do lauto almoço ficavam para o jantar.

Após o almoço as mulheres e meninas iam lavar a louça, os homens iniciavam um carteado e os meninos corriam para jogar pião e/ou bolas de gude.

A radiola, nesses dias de festa, tocava “long-play” dos Demônios da Garoa, Nelson Gonçalves e Trio Iraquitã. A indumentária dos comensais era simples: homens de camisa e calças compridas. Mulheres e meninas de vestido ou saia e blusa. Meninos de camisa e calças curtas. Minissaia ou calça de homem para mulher... nem pensar! Isso era uma verdadeira heresia (contra-senso).

Escrevo essas reminiscências com lágrimas nos olhos. Saudade é uma lembrança nostálgica. É lembrança carinhosa de um bem especial, um momento que está ausente, acompanhado de um desejo de revê-lo ou possuí-lo. Assim era o nosso almoço aos Domingos.