EU PODERIA

 

 

 

Chega o caos que urge de dentro como o raio que precede o trovão, que rasga a realidade, e quebra o silêncio em pedaços afiados a fim de rasgar pés descuidados, e eu penso no desperdício que é passar a vida olhando através da janela. Mas a minha estava aberta, e o vento soprava poeira fresca para dentro de meu quarto enquanto eu olhava para o teto, deitado de costas nuas no chão, sentindo o suor da lombar incomodando meus pensamentos e decidindo o que fazer logo após o crepúsculo. Acompanhava a dança das cortinas atentamente, pois hoje não tinha novela na tevê. O sol invadia junto, de mãos dadas com minha ansiedade pela noite, mas eu estava feliz. Sim, feliz. Contente, alegre, sorridente, eufórico com o que a vida proporcionara até então. Uns pares de livros pairavam no chão junto comigo, cansados como meus olhos cambaleavam entre o mundo dos sonhos e o estar acordado.      Até que meu celular tocou.

 

 

     “Oi,” eu disse. “Pode falar.”

     Do outro lado ouvia uma respiração ofegante.

     “Oi?” eu perguntei.

     “Eu quero terminar com você.”

     “Que?”

     A respiração era mais pesada, como se fosse possível sentir as lágrimas do outro lado, atravessando a linha telefônica e molhando meus ouvidos.

     “Como assim?”

     “Desculpa.”

     “Por quê?” eu perguntei.

     “Não dá mais pra mim. Acabou.” E assim a chamada foi encerrada.

     Olhei ao meu redor, para a janela, para os livros, para a cama desarrumada, para a seringa e a colher caídas no chão, e tudo o que senti foi vontade de dormir.

Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 29/03/2023
Reeditado em 13/04/2023
Código do texto: T7751849
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.