TODO SOFRIMENTO TEM UMA CAUSA

Cheguei naquele antigo prédio situado numa das ruas do centro da cidade por volta das 17:30 h., havia largado do trabalho com uma colega que trabalhava junto comigo e atendia a um pedido dela para jantarmos em sua residência. Era a primeira vez que ia em sua casa, justamente numa sexta-feira, ocasião que acertamos para tomarmos um bom vinho junto com seu marido. O que me impressionou um pouco foi o estado de quase abandono do prédio, com térreo e primeiro andar. Embaixo moravam alguns familiares seus e na parte de cima residia Arlete com seu esposo e apenas um filho de 16 anos. O espaço era imenso, existia um jardim e uma área tipo "lazer", com um banco e uma rede.

O jantar transcorreu em clima de alegria após termos tomado umas boas doses de vinho com petiscos. Em seguida fomos para o jardim e ali ficamos a conversar, já passava das oito da noite, mas o clima estava ótimo. Conheci os familiares da minha colega de trabalho, mas fiquei impressionado com uma cena que vi, no andar de baixo estava um senhor de seus pouco mais de sessenta anos, repousava em uma cama improvisada de frente para uma saída lateral do imóvel, ali a ventilação o ajudava a se manter tranqüilo e no frescor da brisa que adentrava a sala. Ele simplesmente estava inerte há exatamente vinte e cinco anos, fôra acometido de uma doença neurológica e assim permanecia até aquele data. Não andava, não falava e quase não entendia nada do que se passava ao seu redor ou conhecia alguém da família. Era uma vida vegetativa que durava esse tempo todo. Fiquei a imaginar sobre o porquê de tal sofrimento e fiz perguntas para tentar saber a razão dessa triste realidade. Não me deram respostas plausíveis e eu fiquei imaginando sobre a vida de um ser humano numa situação dessa, o que levaria uma criatura a passar por triste realidade.

Alguns dias se passaram, procurei me informar com pessoas ligadas a várias religiões e me identifiquei com uma que me fez entender que nenhum sofrimento é gratuito, ele tanto pune diretamente o sofredor como alguém que está ao seu lado, alguém que de alguma forma não se relacionava bem com ele, mas que poderia depender do mesmo e que permanece ali junto sofrendo também. Foi então que, aos poucos, fui colhendo informações da minha colega de trabalho e ela finalmente se rendeu a realidade e contou tudo que se passou há mais de vinte e cinco anos, tempo em que aquele senhor tinha saúde.

Aquele cidadão era tio em segundo grau dela, casou-se por interesse com uma parente dela e foram morar naquele imóvel. De posse dessa e de outras propriedades passou a usufruir financeiramente dos bens e a gastar com farras e orgias com mulheres mundanas. Destruiu todo o patrimônio da família restando somente aquele em que moravam. Tentou até vendê-lo mas não conseguiu, ocasião em que caiu doente, época em que ela era apenas uma criança. Sua esposa, parente da minha amiga, ali ficou o tempo todo cuidando dele, até que pouco tempo depois ele faleceu e deixou uma boa quantia como seguro, o que a levou a comprar um novo imóvel e vender aquele antigo prédio. Na realidade aquela criatura pagou caro pelo tipo de vida que levou, assim eu deduzi.