A OUTRA (BVIW)

Dez anos de casamento, e Ed já sabia: o tempo havia matado a mulher que tanto o encantara em outros dias. Quando conheceu Isa, ela era vibrante, bem-humorada, cheia de vida. Mas agora... Era quase uma sombra, sempre arredia, ensimesmada, sem assunto, recolhida em seus tons escuros.

Para compensar as frustrações matrimoniais, Ed partiu para outras distrações. Passou a frequentar, todas as terças, um bar envolto em penumbras, do lado Oeste da cidade — um ambiente exótico, com gente fantasiada e escondida em máscaras e pseudônimos. Ali se podia dançar, beber, ou simplesmente conversar. Ed virou Beija-Flor. E logo conheceu Borboleta, uma figura fascinante atrás de uma bela máscara alada — e dona de um astral invejável.

A atração de Beija-Flor por Borboleta foi imediata. Sempre às terças, ele ia vê-la, e ficavam durante horas batendo papo e bebendo rum com gelo. Ed começou a mentir para Isa, inventando serões no escritório. Apática e alheia como andava, a mulher nem ligava, o que facilitava em muito que ele fosse ver a “outra”.

Depois de certo tempo, Ed estava apaixonado. Resolveu então que iria pedir o divórcio. Borboleta tinha tomado todo o lugar da esposa em seu coração. Naquela terça, decidiu abrir o jogo com a moça. Ela sugeriu que saíssem do bar. Dentro do carro estacionado sob uma castanheira, Borboleta ouviu em silêncio a confissão de Beija-Flor. Ao fim, ele suplicou:

— Por Deus, agora me diz: quem é essa “outra” que entrou em minha vida?

— Essa “outra” sempre esteve dentro de sua história, meu bem — Borboleta sussurrou- lhe ao ouvido, enquanto lentamente ia baixando a máscara, que faiscava à luz do poste.

Estupefato, e desejando a morte, Beija-Flor deu com o rosto taciturno e sombrio de Isa.

Tema da Semana: Dentro da História (conto)