O VISITANTE (BVIW)

De volta da rua, Miracélia viu o papelzinho branco caído junto ao portão. Abaixou-se, apanhou-o e leu: “Chego hoje à meia-noite, muitos beijos. Com amor, Ralf”. Pensativa, ela guardou o bilhetinho no bolso da jaqueta. Entrou, foi guardar as compras. Andou pela casa, ajeitou coisas fora do lugar, mas o recente achado queimava em seu bolso. Quem seria Ralf? E para quem seriam aquelas palavras amorosas? Mira era pura imaginação. Em sua solidão, desejou merecer os dizeres curtos, mas tão carregados de significados da mensagem lida. A feliz destinatária era amada por Ralf. E ele, fosse quem fosse, chegaria à meia-noite. Podia sentir o abraço apertado, o calor que o viajante traria em sua saudade.

A moça passou o dia entre mil afazeres. Cumpriu o home office, fechou metas da empresa — o dono do bilhete perdido a rondá-la. Às dez, tomou um banho morno, bebeu um copo de leite, foi para a cama. Acordou sobressaltada com o interfone. Que loucura era aquela? Quem a acordava à meia-noite? Botou o roupão às pressas e foi à porta. Abriria? Abriu. Em meio a uma lufada de vento gelado, um robusto gato preto passou veloz entre suas pernas. Coração aos pulos, ela foi atrás do bichano. Antes mesmo de vê-lo, deu com o par de olhos faiscando no escuro — o brilho vinha da cesta de vime ao fundo do corredor. E agora? Com delicadeza, tentou espantar o insólito visitante, mas ele mostrou-lhe alguns dentes ferozes num roufenho arremedo de miado:

— Raaaaaallllf! — Ralf? Surpresa, Mira saltou para trás, a vista turva, as pernas trêmulas. Meu Deus, quem era Ralf?

Tema da Semana: Bilhete perdido (conto)