Fugir do meu reflexo

Cheguei para a moça na cabine da bilheteria do terminal ferroviário e pedi um bilhete. Ela perguntou para onde eu queria ir. Eu disse que queria ir para o mais longe possível do meu reflexo. Ela perguntou o motivo, porém não soube responder. Medo, repulsa, falta de auto aceitação, baixa auto-estima, ódio direcionado à mim mesmo, depressão, melancolia, tristeza… Queria dizer todas essas coisas ao mesmo tempo, mas nada saiu da minha boca. A moça apenas emitiu o bilhete e me entregou, sem questionamentos adicionais à respeito da minha razão.

Adentrei um trem qualquer, quase vazio. Sentei num banco perto de uma janela. Destino desconhecido, porém tinha fé de que seria um destino longe do meu reflexo. Longe de mim mesmo. Longe de tudo aquilo que me faz ser eu mesmo. Longe de todos os meus ingredientes, peças e raízes. Longe dos meus familiares, amigos e semelhantes. Longe de qualquer um que carregue memórias de mim.

Quero ser esquecido. Quero me esquecer.

Evitei olhar para a janela. Evitei deixar o reflexo do meu rosto manchar a imagem dos abertos campos verdes ao redor da ferrovia. Olhei para a frente e vi um espírito de uma menina vestido de bebê.

Ela brincava com sua mãe, mas também brincava com seu próprio reflexo. Batia na janela e sorria ara o seu próprio reflexo. Eu fiquei intrigado, e logo percebi uma coisa: Aquele reflexo era o primeiro amigo daquele bebê. Ria junto com ela, brincava com ela. Seu fiel companheiro, estava sempre junto dela. Quando aquela menininha estivesse sozinha, bastaria apenas olhar para tudo aquilo que refletisse luz para vê-lo.

Olhei para a janela e vi meu próprio reflexo. A pessoa que eu menos queria ver, era também a pessoa que eu mais precisava ver. Um amigo sempre presente, sempre perto de mim e sempre acessível. Deixei o cansaço e o desespero me abaterem, e apoiei minha cabeça sobre o vidro. Meu reflexo também apoiou a cabeça sobre ele.

Ele deixou os pensamentos bons voltarem para a minha cabeça, todos vindos da dele. Todas as boas lembranças, todas as pessoas queridas. Todas as coisas queridas que me fazem querer ser quem eu sou. Todas as coisas boas que me fazem querer ser quem eu quero ser.

Agora quero ser lembrado. Quero me lembrar de mim mesmo.

Assim que cheguei na próxima estação, peguei um bilhete de volta para casa. Para bem perto de tudo relacionado ao meu reflexo. Para tudo que me remete a mim mesmo. Para perto do meu sempre presente amigo.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 18/08/2023
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