Apenas mais um...

Tem um certo tempo que pensamos em nossas famílias como um lar intocável pelos sentimentos naturalmente humanos como a ganância e a inveja. Este tempo dura toda a nossa infância, e muitas vezes ultrapassa esses tempos até ficarmos adultos. O garoto da minha história estava no tempo de ver os fatos e não ignorá-los. Aos poucos começou a ver fatos que começaram a fazer sua mente formar uma nova imagem de sua família, uma imagem mais humana de fato, ou seja, cheia de falhas.

Entre diversos fatos que o fizeram pensar melhor sobre a humanidade, três se destacaram em sua mente. O primeiro que veio a ocorrer foi um com sua irmã mais velha e uma amiga dela. No dia em que ocorreu tal acontecimento, andava pela casa com seu novo jogo de gameboy.

- Não se preocupe. Aquela vadia vai perder o namorado por ter ficado com o seu ex... Só precisamos saber quem é o novo dela... – comentava sua irmã para uma amiga.

Não demorou até uma outra garota aparecer e ir na direção das duas. Ambas forçaram um sorriso convincente, e a irmã dele foi logo perguntando de forma animada: “Já vai nos contar quem é?”.

Sempre soube que sua irmã tinha algum desvio moral, então nenhuma surpresa até aí. O problema piorou quando ouviu uma conversa de sua mãe na cozinha.

- O bolo está pronto! Vamos levar para a nova vizinha! – falou excitada para a outra, que estava logo a seu lado, olhando pela janela.

- Você não disse que aquela coisa era burra demais para falarmos com ela? – questionou a outra, levemente interessada.

- O marido dela é senador. Meu marido acha que seria ótimo ter contato com a família dela... – respondeu com um leve sorriso.

As feições do garoto expressaram ao ouvir isso sua vontade de chorar e o enorme esforço para reter as lágrimas. Andou na direção de seu quarto, e quando estava subindo a escada ouviu seu pai, um importante político da área, falar no telefone.

-... Quero-os presos! – gritava furioso ao celular. – Agora! Não me importa se eles estão certos! Agora!!!

Seriam todos os dias tão cheios de arrogância e falsidade? Pouco importava. Não havia maneira de fugir da realidade, tão fria e dolorosa. Pensou mais algumas vezes sobre o que ouvira e centenas de vezes o resultado daquele dia e da série de pensamentos foi apresentado, como em uma de suas conversas com uma amiga anos depois.

- Eu costumava acreditar nos humanos, mas aí eu cresci. – falava arrogante. – Os outros não vivem honestamente, por que deveríamos tentar ser, se assim só iremos ser destruídos pelo capitalismo? Não vale o esforço ao dar minha felicidade pelos outros...

Mais um brilho apagado. Mais um humano robotizado e preparado para chegar ao topo... Apenas mais um...