Renascimento

Já saboreie o sabor da morte uma vez, há alguns anos.

Me encontrava só, entre urtigas, macambiras e mandacarus. Estava indo ali. O caminho era tortuoso e a cada passo dado o aroma do rio afetuosamente preenchia meus sentidos.

Bem lhe poderia parecer um caminho sombrio e solitário e por vezes a nossa estrela não demonstrasse empatia com suas rajadas, mas com o estreitamento da passagem, o apoiar de mãos em pedras tão seguras de si quanto eu era inseguro de mim, a coisa toda tomava uma feição de inconsolável clareza.

Pouco espaço me separava de uma queda infalível, mas eu gostava do quanto podia empreender em venerar aquele gemer do estômago, aquele trepidar do espírito. Olhava para baixo com respeito e devoção, nunca medo. Eu quase sentia que a queda só iria enaltecer esse flerte infindável que estávamos tendo, o rio e eu, culminando em absoluto na nossa união.

O apogeu desta busca cósmica pelas visões que debaixo me evocavam deu-se quando gentilmente debrucei-me sobre as águas e nadei, nadei, nadei. Não procurava nada. Não queria nada. Nada procurava pois eu já havia me encontrado. Nada queria pois nada nunca me havia sido retirado. O rio me aceitou.

Senti uma cãibra. Não havia terra ou céu e eu só flutuava. Não me desesperei e mergulhei, então, afundado, libertando o ar de dentro de mim e me deixando levar para onde quer que fosse.

Eu estava cônscio, pois não era hora de nada, pois não havia tempo e tampouco espaço. A cãibra lutava contra mim mas a senti dissipar-se.

Entregou-se.

Emergi escalando bolhas e raios azuis. Estava sorrindo, finalmente renascido.