Americano Filho da Puta

Um senhor, passado dos 80 anos, volta e meia parava no meu bar. Insistia em não se sentar, tomava uma ou duas cervejas grandes e depois seguia seu caminho, num taxi que vinha apanhá-lo. Sempre em torno de 11 horas da manhã, com uma sacola de compras na mão, lá estava ele. Uma vez por semana, às vezes duas, lá vinha ele.

Este senhor, que aqui vou chamar de Pedro, tornou-se meu amigo num dia em que conversei com ele sobre a Segunda Guerra Mundial. Daí pra frente apresentou-me um filho, uma filha, uma nora e uma porção de amigos. Era um ex-combatente solitário. Mas sabia lidar com a solidão. Um dia, veio com uma turma e beberam mais que o costume. Todos eles eram jovens. Na hora de pagar a conta os “amigos” queriam empurrar tudo em cima do Pedro, acreditando que ele tivesse bebido demais e seria fácil enganá-lo. Ele levantou a voz, deu um sermão na turma, tirou dinheiro suficiente para pagar três cervejas e mandou a turma se “coçar”. Um deles que estava se esquivando de pagar, sentiu a pressão da bengala do velho Pedro no peito, e descobriu que tinha dinheiro num outro bolso, fora da carteira.

No outro dia, “seo” Pedro chegou, pediu desculpas pelos “vagabundos de ontem”. Cumprimentei-o pela valentia e ele respondeu:

- Vagabundos como esses matamos muitos na guerra. Aqueles americanos filhos da puta provaram das nossas balas.

Não dei muita atenção às bravatas do velho até que ele repetiu o “americanos filhos da puta”.

- “Seo” Pedro! O senhor não está enganado? Vocês mataram foi os alemães e italianos. Os americanos eram aliados.

- Matamos americanos também. – Ele me olhou com um olhar de desprezo por um tempo longo. Depois, deve ter chegado à conclusão que eu merecia um esclarecimento:

- Os americanos eram muito ruins. Mandavam a gente onde eles tinham medo de ir. Riam da gente, maltratavam, mijavam em cima de nós. Matamos muitos desses filhos da puta.

Fiquei de ouvido aguçado. O homem estava falando lucidamente sobre fatos que eu tinha uma vaga idéia. Cheguei perto, completei o copo com a cerveja que estava na conservadora e perguntei:

- Como é que vocês faziam isso?

- Você não sabe nada – disse-me ele com ar triunfal. – Você é daqueles que pensam que na frente de batalha é tudo organizadinho? É pra ver a bagunça que tem lá. Quando vinham aqueles aviões alemães com bombas e metralhadora, nós ficávamos na trincheira com o mosquetão em posição.

Ele tomou outro gole de cerveja e me olhou com um olhar esperto.

- Eles pensavam que gente mirava nos aviões, mas a gente mirava era nos soldados americanos que tinham judiado da gente. Morriam e os alemães levavam a culpa. – Ele tomou outro gole, e murmurou: - Vagabundos, filhos da puta.

“Seo” Pedro morreu em 2004. Nunca mais conversei com ele sobre os americanos depois dessa conversa. Não se pode confirmar a história dele com seus companheiros que morreram antes dele. Se é verdade, eu não tenho certeza, mas ela confirma apenas uma coisa: Há muito mais sujeira na guerra do que mostram os livros de história.

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 21/01/2008
Reeditado em 02/12/2009
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