O LOBISOMEM*

Era o ano de 1967, o segundo de minha vida de professor.

Após a reunião para atribuição de classes, consegui escolher uma classe de 4ª. Série,  na Escola Masculina de Emergência da Fazenda São José, considerada  uma das melhores escolas rurais  de Ipuã e região.

Para lá fui, levado pelo meu saudoso pai, no seu Ford Coupé, um belo automóvel na época.

Após conhecer a escola, minha classe e meus alunos, dirigi-me  então, à casa onde me alojaria enquanto fosse professor naquela fazenda.

Pouco a pouco fui me ambientando com aquela vida tranqüila e pacata da zona rural, conhecendo os moradores e seus costumes, suas crendices e suas histórias.

Jovem, cheio de sonhos e ideais, professor recém-formado – eu achava graça – e era até com certa indignação e persistência, que combatia as crenças que dominavam e apavoravam os habitantes daquele lugar.

Na fazenda, - a não ser o guarda-noturno, um sergipano chamado Severino - , ninguém transitava pela colônia a partir das 20 horas, temerosos de encontrar caixões de defuntos em porteiros assombradas, e outros seres imaginários que habitavam a alma daquela gente simples e humilde.

Acostumado na cidade e também à vida boêmia das serenatas ( "de luar cor de prata/mulata ingrata/que me mata"), eu me sentia muito só e então passei a freqüentar a casa do senhor José Pedro, o campeiro da fazenda e pai de um de meus alunos, onde havia uma dos raros receptores de televisão.

Nas minhas aulas e também em conversas com os pais, eu procurava explicar que “lobisomem”, “assombração”,  “mula-sem-cabeça” e outras crenças, apenas existiam na nossa imaginação e não havia motivo algum para ter medos e receios.

Lembro-me, então, da noite que fiquei até tarde – um pouco mais da meia-noite – em casa do pai de Manoel, assistindo a um videoteipe de um jogo de futebol.

Era uma noite de fins de março, época de quaresma, e por sinal, uma noite tenebrosa, escura, de muita ventania e muita poeira.

A contragosto do Sr. José Pedro que ofereceu-me, insistentemente, pouso para aquela noite, despedi-me de todos e fui para minha casa, que distava cerca de uns 300 metros dali. O único barulho que se ouvia era o zumbido intermitente do vento.

A casa situava defronte ao pomar da fazenda, enorme espaço, onde havia as mais variadas árvores frutíferas e um frondoso bambuzal que, com toda aquela ventania fazia um barulho apavorante.

Ao abrir o portãozinho de minha casa, eis que ouço grunhidos às minhas costas.

Sem olhar para trás atravessei o portão num átimo e já, com a chave na mão, abri a porta – tranquei a porta – corri pro quarto – acendi a luz – pulei na cama  – e cobri-me dos pés à cabeça!

Com o coração na goela, imóvel como uma estátua, lá estava eu, tremendo de medo, debaixo do cobertor, a pensar: - seria o lobisomem, aquilo que grunhira atrás de mim... e, que eu, insistentemente, falava a todos que não existia?

Dizem que o medo faz do homem corajoso um covarde e, naquele momento eu, o professor, que julgava esclarecido, sabido, era talvez,  a pessoa mais medrosa do mundo!

Mas o pior ainda estava por acontecer e fazer daquela noite, uma das noites mais tenebrosas da minha vida!...

O teto do quarto era feito de lona - um tipo de  encerado -  que se achava rasgada em alguns pontos. E, foi por um daqueles buracos que, na madrugada irrompeu um irado morcego e num vôo rasante e escandaloso choca com minha cabeça, já descoberta e adormecida. Mais escandalosos foram meus gritos, que acabaram por acordar um bom e velho casal que morava de parede e meia comigo.

Depois de mais aquele susto, não mais dormi, esperando ansiosamente que amanhecesse logo para terminar com todos os meus temores.

E, ao chegar a manhã, quando abri a porta vi, admirado, uma portentosa porca a grunhir,  seguida de um grande número de filhotes,  passando pelo pátio da escola...
.....................................................................................................................

                    Sales Oliveira, 15 de agosto de 1998.


(* para comemorar o mês do folclore)