Esperança nas estrelas

O fim de tarde chega e a mesma imagem de vários meses se repete. O garoto sentado sobre uma pedra no alto, num lugar íngreme com o olhar perdido para o horizonte. Mesmo aqueles que lhe conheciam não conseguiam diagnosticar qual o motivo daquele ritual. Não importava qual a brincadeira da qual estivesse participando. Até mesmo uma disputada pelada com os amigos de rua, não era capaz de privá-lo daquele momento solitário. Somente com o cair da noite, ao aparecer às primeiras estrelas, o garoto se levantava lentamente e voltava para a casa onde morava com a sua mãe. Ela o havia criado sozinha. O garoto sentia muita falta do pai e todas as vezes que perguntava por ele a sua mãe, ela respondia que ele havia morrido na guerra. No dia 24 de dezembro, o garoto estava sentado sobre a pedra no início da noite, quando foi picado na perna por um escorpião. Apesar do seu grito de dor e dos pedidos de socorro, ninguém conseguia escutá-lo. Todos estavam em suas casas, arrumando-se para a ceia do natal.

Na pequena casa onde moravam, mesmo sem condições, sua mãe havia preparado um jantar para os dois e colocado um presente junto à árvore de natal.

Já passava das oito horas quando sua mãe começou a ficar preocupada. Saiu andando pelas ruas e perguntando por ele aos vizinhos. Todos respondiam que não. Ela se desesperou e começou a chorar. Ao seu lado estava sentado um mendigo, que por algum tempo pedia esmolas e dormia naquela esquina. Era um homem alto, de traços finos, porém barbudo e maltrapilho. Ao ver o desespero da mulher, perguntou:

- Posso ajudá-lo senhora?

- Por favor, o meu filho está desaparecido. Ajude-me a encontrá-lo...

- O seu filho é o garoto das estrelas?

- Sim. É assim que os vizinhos chamam Pedro.

- Fique tranqüila, eu vi quando o seu filho foi lá para a pedra do alto. Pode ir para casa que eu vou lá buscá-lo. Logo ele estará em casa.

Pela primeira vez naquela noite, a face de Elza, a mãe de Pedro, parecia não sentir medo. Ela foi para casa terminar o jantar de Natal, enquanto o mendigo subia a encosta em busca do garoto. Alguns minutos de subida e o mendigo chega à pedra onde Pedro costumava contemplar as estrelas. Logo foi surpreendido pela cena; o menino estava caído, com um corte na cabeça, desacordado e com febre. O mendigo percebeu ao lado um escorpião preto e deduziu que o garoto havia sido picado e com a dor caiu da pedra e bateu com a cabeça. Não hesitou: tratou de estancar o sangramento do corte, afrouxar as roupas do garoto e com ele nos braços desceu correndo a encosta em direção ao hospital da cidade que ficava próximo do local. No trajeto, apesar de curto, o mendigo que era médico, lembrou dos horrores da guerra e de todos os seus companheiros mutilados que teve de carregar sob o bombardeio dos aviões inimigos. Chorava e rezava, pedindo para que a vida daquele garoto fosse poupada em detrimento da sua.

- Senhor, poupe a vida desse garoto. Ajude-me a salvá-lo e depois pode levar-me. Eu já perdi muitos amigos, não queria que aquela mãe perdesse o seu filho.

Antes de terminar suas preces, já estava passando pela porta principal do hospital.

- Socorro, socorro, ele foi picado por um escorpião, sangrou muito e está desacordado.

Rapidamente a equipe de plantão tomou o garoto de seus braços e o colocou na maca para a aplicação do soro antiaracnídico. Os procedimentos iniciais foram tomados e foi constatada a necessidade de uma transfusão, já que o garoto havia perdido bastante sangue pelo corte na cabeça. De imediato chamaram o mendigo para uma tipagem sanguínea, visto que o sangue do garoto era 0- e só poderia receber aquele tipo de sangue que estava em falta no hospital. Como um milagre de Natal, o sangue era do mesmo tipo e pode ser doado para salvar a vida de Pedro. Duas horas depois o médico chamou o mendigo em sua sala:

- Parabéns Senhor. O seu rápido procedimento e principalmente a transfusão de sangue salvou a vida do seu filho.

O mendigo surpreso retrucou:

- Estou feliz por ter salvo a vida do garoto, mas ele não é meu filho.

- Como não? Quando colhemos os sangues seu e dele fizemos o teste de DNA e não existe nenhuma dúvida que você é o pai do garoto.

O mendigo chorava estático enquanto um filme passava rapidamente em seus olhos. “Antes de ir para a guerra, o então capitão médico do exército havia conhecido uma linda moça naquela pequena cidade com quem teve uma noite de amor. Levou no coração a esperança de voltar e casar-se com ela. O trauma da guerra não deixou. Ele havia perdido a vontade de viver.”

A linda jovem que havia engravidado do médico antes da partida para guerra, nunca recebeu dele nenhuma notícia e guardava em seu coração uma longínqua esperança de um dia vê-lo novamente. Era assim que ela sempre respondia para o seu filho quando perguntada por ele sobre o seu pai.

O mendigo explicou ao médico o que havia acontecido e os dois trocaram um longo abraço. Ajudado pelo colega, o mendigo foi até o vestiário, tomou banho, tirou a barba e cortou os cabelos. O médico lhe emprestou roupas brancas e deu alta ao garoto. O doutor Jerônimo, capitão médico do exército, pegou o seu filho que ainda dormia nos braços e seguiu em direção a casa dele. Ao chegar entregou o jovem Pedro nos braços de sua mãe que abraçou o filho emocionado e fitou o homem perplexa. Antes que ela falasse alguma coisa, ele lhe disse:

- Só agora meu amor eu pude retornar e lhe trouxe o nosso filho de volta. Deus guardou essa noite de natal para nos presentear. Você teve o seu filho de volta; Pedro achou o seu pai e eu estou vivo outra vez.

Os dois, com Pedro nos braços, trocaram um beijo apaixonado sobre o olhar sorridente das estrelas.