O vampiro (titulo temporario)

"Acabo de acender meu último cigarro. A fumaça desenha um rosto sob a luz baixa do quarto... gotas pesadas de chuva açoitam a janela e seus ecos enchem meus ouvidos... Lanço as cinzas sobre um papel borrado, um soneto incompleto que jaz sobre a escrivaninha. Então no derradeiro trago... um suspiro... uma dor, por um momento posso sentir os versos brotando de meus dedos... e os riscos da pena sobre o papel. Terminado o parto, deixo meu legado, orgulhoso, sobre a mesa. Apago a vela, cubro um retrato e me lanço sobre a cama. Tomo mais um gole de vinho, arranco algumas notas do violão... A escuridão inebriante enche meus pulmões... quase posso sentir sua presença ao meu lado. Repouso então a minha cabeça sobre o travesseiro e quase adormecendo, imagino as ruas vazias, as luminárias lúgubres e suas chamas vacilantes.. as pessoas sob a iluminação vaga fugindo da chuva. Posso até ouvir os seus passos... e então ouço alguem bater à porta"

I

Me ergui de um salto, cambaleei um pouco, abri a porta lentamente e observei o visitante inoportuno. Era um homem alto, faces rubras e rexonxudas e com um forte sotaque lusitano.

-Boas noites... Procuro pelo senhor Marcos Almeida. -Disse-me o visitante-

-Estais a Falar com com ele. O que desejas em tão altas horas?

-Desculpe-me o infortunio meu senhor, mas o caso é de morte, e receio que temos pouco tempo.

-E então, de quem se trata o moribundo?-respondi, um pouco surpreso-

Com isso o homem retira uma carta do bolso de seu sobretudo.

-Na verdade trata-se de uma mulher. Meu nome é Alberto, servo da senhora Helena Albuquerque.

Tomei a carta das mãos do servo e sem o convidar a entrar, sentei e pus-me a ler.

A carta era breve e podiam-se ver algumas manchas, provavelmente de lágrimas sobre a tinta. Reconheci a letra da autora, porém esta estava anormalmente tremida.

Sr Marcos Almeida, venho por meio desta carta pedir-lhe que venha ver-me ainda esta noite pois no meu estado, me encontro incapacitada de ir ao seu encontro. Sei que tens todos os motivos do mundo para atirar este papel ao rosto do pobre Alberto e bater-lhe a porta à cara. Mas rogo-lhe que atenda meu pedido pois certamente deixarei este mundo em breve.

Helena.

Quando terminei, me dirigi até meu armário e retirei um capote negro e uma bengala. Preparei minha saida e então perguntei ao servo.

-Tens um charuto ou cigarro senhor Alberto? Os meus se findaram. -Apontando para uma pilha de cinzas-

-Vamos, no coche eu devo ter alguns guardados...-respondeu-me rispidamente o servo. A senhora não tem muito tempo.

-Que ela espere. A esperei em vão por longos anos de minha vida. Eu irei até ela para dar-lhe uma ultima olhada antes que a morte lhe leve, disse eu num tom irritado.

Com essa declaração o Lacaio olhou-me com uma frieza e desprezo que poucas vezes tinha visto em minha vida.

E assim deixamos o recinto. Descemos as escadarias do casario e logo alcançamos as ruas de pedra onde o coche nos esperava sob a chuva e neblina da noite de Recife.

Alberto se adiantou, abriu a porta do coche para mim. E sussurrando algo inaudivel e entregou-me dois charutos.

-Muito obrigado. Estas noites invernais me inspiram o vício, disse a ele. Porém ele nada fala, e por alguns minutos o silencio é total no coche.

Então acendo meu charuto, trago-o lentamente e pergunto.

- Do que padece a srta Helena?

- A um ano Srta. Helena se casou com o Comendador Freitas, porém ele já sendo muito velho, faleceu pouco tempo depois deixando a sua senhora grávida.

– Helena casou? Oh! Era previsível-disse eu num tom de gracejo e não obtendo resposta perguntei. -E como é o nome da criança, se é que ela já veio a nascer?

– A srta Helena me pediu que não lhe falasse nada sobre o assunto. Ela deseja contar-lhe tudo, disse-me Alberto, e assim emudeceu me deixando a pensar.

O coche avançava pelas ruas escuras do bairro de São José e eu suspirava constantemente, quase em transe, inebriado pelo ar frio e pesado. E depois de um quarto de hora o coche para de frente a um casarão mal iluminado.

Chegamos senhor! Ela repousa aqui, falou-me Alberto enquanto parava o coche.

-É bem apropriado! Este local já cheira à morte, respondi-lhe ironicamente.

Alberto abriu o portão de metal avançou e eu o segui até o terraço do casarão.

Ele abriu a porta e me fez entrar. Três velas apenas iluminavam o ambiente com suas chamas vacilantes. Entreguei meu capote a Alberto e então um gemido femimino alcançou meus ouvidos.

-A morte já a está chamando. As duas estão conversando, observei ao servo em tom de riso.

- De sua boca só brotam palavras infames e torpes, respondeu-me. Não sei o que fez a senhora desejar vê-lo nos seus últimos momentos. E tendo dito isso ele sobe as escadarias me deixando só.

Eu o sigo depois de alguns segundos com um sorriso no rosto.

O primeiro andar estava totalmente escuro, eu nada podia ver além do clarão das velas por baixo de uma porta que a Alberto abria lentamente. Ele me fez entrar e se falou sóbriamente.

-Senhora Helena, Ele está aqui.

Me aproximei da moribunda e sem a olhar nos olhos falei.

-O que te faz desejar tanto a minha presença aqui Helena?

Alberto, deixe-nos a sós por favor, disse ela ao Servo com uma voz rouca e débil.

Alberto hesitou, e ainda balbuciou algum questionamento às ordens de Helena mas foi repelido por um gesto de sua senhora. Antes de sair o servo me olhou com desprezo novamente, o que me fez sorrir com a situação.

-Estou um tanto surpresa, e feliz por você ter atendido meu chamado senhor Marcos, disse-me Helena. Mas pelo que me parece as suas feridas ainda não sararam.

-Certas feridas nunca se fecham. Você deveria saber disso, respondi me aproximando, porém sem ainda olha-la nos olhos.

Ela estremecia ao tentar se erguer, porém as forças lhe faltaram e conformando-se , falou-me.

-Sei que o modo como nos separamos foi trágico e que nos desgastamos igualmente com tudo que aconteceu. Sei que tua dor causou a mudança no teu modo de vida, tenho sobre meus ombros a responsabilidade por terdes deixado de ser o doce poeta que eras aos 18 anos e tenhas te tornado este libertino sem pátria, sem sonhos e sem amor que está agora sentado a minha frente.

Logo após ouvir o seu discurso eu acendi outro charuto e a respondi.

-se importa? Eu creio que não... A morte já toma teu corpo. Estais a delirar, as palavras jorram da tua boca, sem sentido. Tentas reviver um morto que já fede em sua cova.

O Marcos que conheceste já não mais existe e sobre ti recai a culpa pelo crime. A Helena que conheci era uma ilusão. A mesma que agora tenta me ludibriar, ou talvez demonstra algum arrependimento estando às portas da morte. Não sei! Tudo em que acreditei se mostrou falso. O amor que te jurei valia menos que as jóias que o Seixas te presenteava. O amor que me juraste se mostrou tão frágil e efêmero quanto esta rosa que murcha ao teu lado na cabeceira.

Minutos se passam até que ela rompesse o silencio.

-Talvez tenhas razão. Mas nem todas as jóias que o Seixas e meu pai me deram, puderam pagar os anos que perdi por ter te abandonado. Agora como deves saber estou sozinha no mundo.

Meu pai jaz sob o solo de Lisboa com nossos antepassados. Seixas sumiu a 15 anos em viagem pela Europa Oriental, e seu túmulo vazio me libertou do casamento arranjado pela minha familia.

Te procurei, mas tinhas ido embora. Casei-me novamente ano passado e deste casamento nasceu uma criança, uma menina. Mas que futuro aguarda esta criança? Tão logo nasceu e já é Orfã de pai, e em pouco tempo perderá a mãe. Resta-lhe apenas uma tia, a irmã mais nova do meu marido, em quem não confio, disse-me a moribunda.

Finalmente eu olhei em seus olhos. A morte já estava estampada em seu rosto, que agora era apenas uma sombra do que tinha sido em sua juventude. Num tom rude, a respondi.

- Sim, mulher! E o que a ver com isso tenho eu? Você quer que eu largue as minhas noites de boemia, os corpos febris das vendidas, as taças de vinho e as cantilênas ébrias dos cabarés para cuidar de tua filha? De tua filha com outro homem?

Ela ergueu-se no leito e prosseguiu com sua voz débil.

-Não te pediria para ser o pai que ela precisa. Não teria este direito. Mas eu preciso que alguém a proteja. Que alguém cuide para que a tia não se aproprie do que é dela. Que cuide para que ela não cresça amargurada. Eu te nomearei tutor dela caso você aceite. E tão logo ela esteja crescida o suficiente você a entreguará junto com os seus bens esta carta que redigi para ela.

Terminando de dizer isto, Helena me entrega uma carta selada com suas mãos trêmulas.

-E por que você acha que eu faria isso? Perguntei, tomando-lhe a carta das mãos.

-Eu não tenho certeza. Apenas não tenho outra escolha, respondeu-me friamente

Alguns minutos se passaram. Eu caminhei de um lado para o outro dentro do recinto pensando em tudo o que acabara de ouvir. Traguei o charuto várias vezes antes que uma brisa gélida invadisse o recinto por uma janela aberta e me fizesse quebrar o silencio.

- Eu não sei se posso fazer isso... Mas talvez o seu pedido seja a salvação que busco para a minha alma e para meu corpo. Apenas sei que não poderei cuidar de uma criança pequena...-A tosse de Helena me interrompe e ela fala-me antes que eu pudesse recompor meu raciocínio-

-Eu a deixarei com minha madrinha. Ela é uma freira carmelita, seu nome é Irmã Dulce. Ela me prometeu cuidar de minha filha até que ela possa ser encaminhada a um internato ou a um convento.

-É razoável, respondi. Mas onde está a pequena e qual é o seu nome?

-Ela está no quarto ao lado dormindo. Ainda não dei-lhe um nome. Gostaria que você o fizesse, disse Helena olhando em meus olhos.

- Por que isso Helena? Isso é função do pai da criança. O velho Freitas não tinha um nome em mente para a garota, perguntei-lhe um pouco perturbado.

-Tudo o que estou fazendo esta noite é de comum acordo com a vontade de Freitas, respondeu-me Helena. Era o que ele queria para nossa filha. Ele também não confiava na Irmã.

Tendo dito isso Helena se ergueu vacilante da cama e eu tive de ampara-la. Caminhamos até um quarto no mesmo andar. Helena se sentou em um sofá turco próximo ao berço da criança e eu fui até o berço observar a pequena em seu sono. A criança parecia ter algumas semanas ou poucos meses e tinha grandes olhos cinza-azulados, cabelos muito negros e tez branca com as faces roseas. Com minha aproximação ela acordou e me encarou por algum tempo. Era estranho, ela me olhava fixamente, parecia já conhecer-me.

-Ela tem os olhos tão frios. Não são olhos de criança... disse eu a Helena

-Ela não me lembra em nada. Ela é muito mais forte e bela do que eu... respondeu-me com a voz vacilante.

-Chamarei-a de Clara. Pois assim desejo que seja sua alma, falei enquanto cobria novamente o Berço.

Helena se ergueu do sofá e cambaleou até mim.

-Agora que está tudo acertado, meu querido Marcos, gostaria de fazer-lhe outro pedido... O derradeiro.

Amparando Helena, perguntei-lhe.- O que você ainda quer de mim?

Silenciando-me, Helena rouba-me um beijo desfalece logo depois

II

Helena durou pouco tempo depois daquele beijo. Foram dois dias e duas noites de agonia e então em meio a delírios Helena findou-se. Irmã Dulce e um padre chegaram logo depois para dar-lhe a extrema unção.

Por toda uma semana mantive-me no quarto de Helena apenas com algumas garrafas de vinho, pão e água. Só abandonei o lugar quando a freira anunciou que levaria Clara para o convento das carmelitas. Tão logo tudo foi acertado deixei o casarão aos cuidados de Alberto do qual estranhamente me tornei amigo.

Decidi passar alguns meses numa praia ao sul de Recife, onde anos atrás havia conhecido Helena. A falecida tinha deixado em meu nome unicamente alguns contos de réis, um coche e um casarão nesta praia.

Então a noite parti sozinho para o sul. A viagem deu-se tranquilamente e na tarde do dia seguinte eu estava às portas do casarão de praia onde dois empregados me receberam e instalaram. Minha primeira atitude como dono da propriedade foi convocar os cinco escravos e dar-lhes alforria dispensando também os empregados por algumas noites, alegando que tencionava ficar sozinho. Os escravos hesitaram em deixar a casa, mas tendo eu os permitido levantar moradias no sitio vizinho, que pertencia a Clara, e que dele tirassem seu sustento eles concordaram e me concederam a solidão que eu tanto desejava.

Os dias transcorriam tranqüilamente. Eu dormia na maior parte do tempo, pois varava a noite ao piano e sobre uma mesa escrevendo. A solidão tornava-me cada vez mais sombrio, e eu pouco falava. Saía da casa apenas à noite para vagar pelo sitio até a praia. Numa dessas noites eu caminhava ébrio pela praia, quando teve a impressão de ver um homem se erguer de dentro da areia. Correndo até o local e não encontrando nada, interpretei este fato como mais um de meus delírios que agora se tornavam cada vez mais comuns.

Na noite seguinte, após um pesadelo abandonei a casa em disparada trazendo comigo apenas um punhal, uma pistola e uma garrafa de conhaque de onde sorvia o liquido desesperadamente. Durante a corrida me feri numa cerca. Meu sangue vertia aos montes pela ferida e se espalhava pela vegetação fazendo-me cair ébrio e exausto na praia. Com os olhos fixos no céu em meio à delirios fui adormecendo. Dois olhos vermelhos o trouxeram de volta a razão e erguendo-me ainda que cambaleante eu pude ver um grande lobo se metamorfoseando em uma forma humanóide em minha frente. Eu podia sentir o cheiro do meu próprio sangue, e sabia que não conseguiria fugir de tal besta, então pus-me a rir do meu próprio destino.

Quando a metamorfose terminou, um Homem de olhos azuis e longos cabelos loiros apareceu.

-De que rís ébrio maldito, disse-me o homem. Acaso a proximidade da morte lhe traz alegria?

-Rio da morte, e do destino que fez de uma besta como tú o meu algoz, respondi.

-Eu poderia tirar-lhe esse sorriso das faces em apenas um segundo, disse-me enquanto garras começavam a brotar de seus dedos.

Olhei em seus olhos e respondi friamente -Nada que venhas a fazer comigo vai me trazer dor maior do que a que já estou sentindo. Quem achas que és? Satan? Satan teria maior senso de humor e mais respeito ao levar a minha alma.

Ele olhou-me com misto de raiva e desprezo e falou com uma voz bestial. -Pobre mortal! Não fazes a mínima idéia do que vai te acontecer. Morrerás sem saber a verdade sobre o mundo. Sobre a farsa em que vivem a maioria dos homens.

-Nada mais me prende a este mundo, respondi. Que me leves então agora!

-Farei a tua vontade num segundo, disse-me expondo suas grandes presas brancas num sorriso. E

tomando-me nos braços o homem crava as presas em meu pescoço. Sinto a minha vida se esvaindo pela ferida e com isso lembro-me da promessa que fiz a Helena. E do triste destino que esperaria por clara com a minha morte.

Pegando o punhal de seu cinto, abro um grande corte na coxa do vampiro fazendo sangue verter em quantidade. O vampiro me larga sussurrando com raiva para mim..

- A presa que tem sabor mais doce é aquela que resiste. Dessa forma me concedes mais prazer com tua morte, pois mostrastes ser alguém digno de ser morto por um caçador como eu.

Rindo, respondo-lho com um gracejo -Então desejas tanto assim o meu sangue? Vamos deixe-me ver se o sabor me agrada -entornando o restante da garrafa de conhaque e lambendo o sangue no punhal-

o Vampiro sorri e investe contra mim com as garras proeminentes, porém defendo-me com a garrafa que se estilhaça e cai na areia. Num segundo bote o vampiro consegue alcançar o meu pescoço com suas presas. Então num ultimo espásmo de fúria me lanço ao chão levando comigo o vampiro. Rolamos sobre o vidro espatifado até que eu cravo o punhal no pescoço de meu algoz fazendo sangue espirrar e manchar a areia. Então subindo sobre o corpo do vampiro começo a socar-lhe o rosto sorrindo e só paro quando sou lançado com uma força imensa pela besta. Ferido de morte ainda consigo erguer minha pistola e disparar um tiro na testa do vampiro que cambaleava em minha direção.

-Me deste um desafio digno e mostraste-me que és merecedor da verdade. Te darei a graça e a maldição da imortalidade como pagamento. Disse-me, como se não tivesse levado o tiro, enquanto caminhava.

- Me mate logo patife. Já não te diverti o bastante? Respondi ao fim de alguns segundos.

-Calma criança, logo teu corpo estará morto como o meu, porém ainda poderás caminhar por este mundo desgraçado.

Após ouvir isso, eu desmaio. Acordando quando o vampiro me carrega até um local coberto por vegetação e começa a sugar o meu sangue lentamente. O ritmo do meu coração vai diminuindo enquanto meu corpo cede a letargia e se torna completamente lívido. Então, o vampiro corta o pulso e verte algumas gotas nos meus labios frios. Gota a gota o sangue amargo e grosso vai escorrendo pela minha garganta, queimando, rasgando-me o interior até que eu me ergo com um grito. Tudo ao meu redor fica vermelho, e perco o controle de meu corpo enquanto disparo em furia pela mata. Corri com minhas presas expostas em direção às terras onde os ex-escravos ergueram suas residencias. Uma torrente de pensamentos e lembranças de repente tomaram-me a mente me fazendo gritar. Foi um grito de fúria e despero que fez estremecer todos os animais que se achavam proximos. Uma lua vermelha lança sua luz sob a clareira, Eu podia até sentir seu véu luminoso. A furia tomava o meu corpo ansiando por sangue. Uivos ressoantes chegaram aos meus ouvidos e fizeram-me correr novamente. Então me lembro do pesadelo. O mesmo sonho que me fizera correr em desespero para a praia. Eu já tinha vivido aquilo antes, os olhos do lobo, a lua vermelha. As presas brancas... Exausto, eu paro novamente. Um cão negro avança-me no pescoço e crava os dentes ferozmente. Caindo no chão, sentindo uma dor lascinante com a mordida, deixo a fúria me guiar e quebro o pescoço do cão com as mãos. Após te-lo morto sugo-lhe o sangue até a ultima gota.

III

“Novamente... novamente o barulho da chuva. Gotas pesadas se chocando contra o telhado, o som do mar. Cheiro de sangue, um gosto amargo na boca..”

Acordo sobre uma cama desconfortavel, tudo está escuro, apenas a luz da lua rompe o breu próximo a porta entreaberta. Espero a minha visão se adaptar a fraca iluminação e para meu espanto, em pouco tempo tudo pareceu-me mais nítido e com uma rápida análise pude perceber aonde estava. De alguma maneira eu tinha chegado a antiga senzala da propriedade. Todo o meu corpo doía, e uma sede terrível o rasgava-me de dentro para fora. Algo me chamava, uma voz rouca ecoava dentro de minha cabeça, todos os membros de meu corpo formigavam incessantemente tornando cada segundo um tormento insuportável. Então com um salto felino me erguo da cama e saio pela porta. Era tarde da noite uma névoa densa tomava o sítio, a visão se resumia a poucos metros adiante. O céu estava róseo, coberto por densas nuvens, A lua parecia sangrar no horizonte. Eu quase podia sentir o cheiro do sangue mas minhas percepções tinha algo de diferente. As cores pareciam mais intensas e vivas, os sons mais nítidos, a névoa era mais sólida e fria ao toque porém não inundava meus pulmões por que de alguma maneira eu não mais respirava. A sede se tornava maior a cada instante o que aguçava ainda mais meus instintos.

Então eu diviso ao longe a luz de uma chama cortando uma trilha da mata. Uma bela escrava, um tanto jovem, de belas formas caminhava despreocupadamente para a praia. Sem que eu pudesse ter pensando em resistir, algo guia meu corpo e eu me interponho no caminho da escrava derrubando-a no chão. A sede aumentava a cada centímetro que minhas presas se aproximavam do pescoço da jovem. Até que cravo os dentes em seu pescoço. O sangue extravasava quente e doce para a minha garganta, aos poucos o fluxo foi se tornando mais fraco e a pele da jovem, esfriando. Eu me sentia mais vivo as custas da morte da minha presa, e de algum modo naquele momento eu soube que aquilo seria a regra dalí para a frente.

Quando esvaziou-se por completo a vida da mulher em meus braços, me ergui e então percebi a aproximação de uma sombra.

-Oh.. vejo que o instinto de caçador é inato dos vampiros, disse-me a sombra. Você fez sua primeira vítima humana, percebo que foi uma bela escolha.

- Quem é você maldito, respondi em furia. Por que me diz tais palavras?

-Meu nome e Henry Albert D'avignon, disse-me em um tom sério. O seu senhor a partir de hoje.

-O que? Meu senhor?, perguntei irritado. O que faz você pensar assim? Eu sou senhor de mim mesmo.

-Você é interessante, disse me o vampiro olhando-me nos olhos. Não lembra como subjuguei algumas noites atrás? O fato de eu poder mata-lo a qualquer momento é que me faz pensar assim. É o medo da morte que faz tantos mortais seguirem fielmente os dogmas impostos pelas religiões. E é o medo da morte que fará você me seguir.

-E o que o faz pensar que eu temo a morte? Perguntei furiosamente.

Henry me olhou, e riu sadicamente. Ficou a me olhar por alguns minutos e saborear o terror em meus olhos. Por fim ele respondeu-me

-O fato de que você precisa continuar vivo para cumprir uma promessa que fez para uma mulher..... Helena é o nome dela, não é?

Ao ouvir estas palavras, lembro-me que quase me atirei sobre Henry. Mas minhas pernas não responderam ao meu comando. Eu tremia de ódio e medo.

-Maldito! Quem lhe disse isso? Como você sabe de Helena? Disse-lhe lançando uma pedra junto com as palavras.

Henry segurou a pedra com um movimento quase felino, e a largou no chão, olhou-me com desprezo e falou.

-Isso não importa! Eu o sei, e isso é o suficiente. Agora deixemos este lugar, venha comigo.

-Não! Eu retornarei a minha casa, respondi. Os empregados devem estar preocupados com minha ausencia!

Henry desatou a rir novamente e sentou-se ao lado da escrava morta acariciando-lhe os cabelos e a pele morena.

-Oh! E durante o dia, onde você se esconderá jovem Marcos? Debaixo da cama? E o que dirão os teus lacaios ao saber que seu mestre agora bebe do sangue deles?

Eu senti o peso das palavras de Henry me esmagando e recuei... Ele estava certo e eu porfim consenti.

-Para onde você quer me levar?

-Você vai ao meu refúgio. Lá te ensinarei tudo o que você precisa para ser o meu emissário em Recife, você vai proteger meus interesses junto ao Regente.

As palavras do vampiro me atordoavam. Sentia que minha vida acabava de desmoronar como a da escrava que eu a pouco matara.

-Isso tudo parece mais um sonho terrível! O que eu me tornei? O que eu farei de hoje me diante?

-Você fará o que eu mando! Garanto que é o melhor caminho que você poderia tomar por agora. Venha comigo, está é a ultima vez que o chamo.

Concordo com Henry e deixo que ele me guie até um casarão num rochedo à beira do mar.

É uma casa de tijolos de pedra com dois andares. Apenas uma luz no primeiro andar a ilumina. Henry bate a porta e um velho homem abre e o faz entrar junto com Marcos

-Este é George! Ele é meu servo e protegido, ele providenciará tudo o que você necessita para passar as noites aqui. Amanhã logo que anoitecer eu retornarei.

-Onde você irá? Não vai dormir agora? O amanhecer não tardará!

-Eu sei me cuidar. Suba e descanse, respondeu-me ríspidamente e desapareceu.

George instalou-me num quarto sóbriamente decorado. Duas velas apenas o iluminavam, a mobília era simples mas de bom gosto. Não havia pó, em parte alguma, a unica janela estava selada com tábuas de madeira enegrecida e muito resistente. Nenhum fio de luz externa entrava no quarto, o que o tornava um bom refugio para um vampiro.

O resto da noite transcorreu tranquillamente. Eu lavei meu rosto numa tina que o criado me ofereceu junto com um vinho quente e forte, que eu tive certeza que era composto de sangue. Deitei-me, e preguei os olhos no teto enquanto pensava nos fatos dos últimos dias. Exatamente a uma semana eu estava em meu quarto quando o servo de Helena veio ver-me. Amaldiçoei o momento em que eu concordei em ir vê-la. Pois de outra forma não teria conhecido Henry e me tornado a besta que me tornei. Os olhos de clara vieram em minha mente e arrependi-me de ter amaldiçoado a minha resolução e assim adormeci...

CONTINUA!....