Uma grande surpresa

Escutou vozes, pareciam alegres. Tentou prestar atenção. Não conseguiu distinguir as palavras. Notou apenas que as pessoas estavam bastante próximas. Estariam na sala? Estranha hora para visitas. Sentou-se na cama e espiou: nove e meia. Não era tão cedo assim, ela é que havia dormido demais. Também, férias... Quem seriam? Fez um movimento para pegar o chambre. Foi nesse momento que a mãe e a irmã irromperam pelo quarto. Quase gritavam:

- Puxa, nem contaste nada pra gente!

- Ih! Meus parabéns! Tudo em segredo, hein?

Vagamente desconfiou do que falavam. Uma leve desconfiança, que não quis levar adiante. Era importante não se iludir. As duas mostravam-se excitadas, havia algo que, por enquanto, lhe escapava. A mãe correu para a janela, o sol se despejou pelo quarto. A irmã fixava-a, e em seu rosto havia um toque de incredulidade.

- O que aconteceu, afinal? Vamos, digam logo.

Continuava sentada na cama, o chambre nas mãos. Pareceu enorme o instante em que esperou a resposta. Por todo o lado, havia sol. Como se falasse a outra pessoa, aconselhou a si mesma que se mantivesse calma.

- Tu venceste o concurso.

- Os homens estão aí, querem te entrevistar.

Devia estar fazendo uma impagável cara de boba. Incrível ocorrer o que sonhara tantas vezes. Uma surpresa assim tirava-lhe a fala. A mãe tocou-a:

- Eles estão esperando. Posso dizer que já vais?

- Já vou. Só um minuto.

Ainda ficou paralisada por algum tempo. Ela, ser entrevistada? Teve vontade de rir. Aquilo era engraçado, muito engraçado. Talvez viesse a tornar-se natural. Mas, agora... Uma entrevista! Precisava vestir uma roupa. Quem sabe o próprio chambre? E se fossem fotografá-la? Era necessário arrumar-se. Caçou umas peças no armário. A expectativa era grande demais para que pudesse escolher com equilíbrio. Queria ver esses homens que traziam a notícia: tratava-se de uma verdadeira revolução no seu mundo. Gostou da palavra, repetiu mentalmente: revolução!

Precisava apressar-se, não perder tempo com divagações. Aguardavam-na. Olhou-se ao espelho: não, não estava bem. Começou a angustiar-se. Uma roupa, queria uma roupa que ficasse bem em seu corpo. Continuava a ouvir vozes: não estariam aborrecidos com a sua demora? Remexeu o armário. Uma roupa, pelo amor de Deus!

Havia barulho na sala. Conversas indistintas que lhe chegavam em ondas de som. Concentrou-se. Agora, podia distinguir algumas palavras: aluguel, fim do mês. O quê? Aguçou o ouvido. Aquilo não parecia ter nada a ver com o seu prêmio. Esfregou os olhos. A claridade filtrava-se pelas persianas. Suspirou. A conversa prosseguia - algumas frases sobrepunham-se a outras, vozes intercalavam-se. Deu-lhe vontade de chorar. Agora, tudo assumia as dimensões do real. Abriu bem os olhos e ficou contemplando as frestas coloridas. Lentamente, puxou o chambre de cima da banqueta. Postou-se, de pé, no centro do quarto. Depois, devagarinho, caminhou para fora.

Béti Mecking
Enviado por Béti Mecking em 07/03/2008
Reeditado em 07/03/2008
Código do texto: T891163
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