O ÔNIBUS

Estava eu estirado na poltrona reclinada até o ultimo. Embarcara fazia pouco, pois sempre buscava antecedência. Meus olhos ainda avistavam o concreto inerte da estação, enquanto os lugares iam sendo tomados, um após o outro. São nessas horas que o pensamento divaga numa vida apressada, onde momentos de reclusão são poucos, estes encontros com os pensamentos. A civilização de hoje não existem mais Platão, Aristóteles e outros dessa turma... Não por falta de Inteligência, mas sim pelo roubo do tempo. Alguém um dia inventou o relógio, e ele nos escravizou, e por isso que sempre aproveitei os minutos a mais que me davam as viagens. Fazia muitas, a trabalho.

Embarcava sempre por primeiro, que era para analisar os demais. Não que fosse um especialista, simplesmente uma mania, destas que os loucos tem, mas não sabem donde vem. A minha era esta, sentar lá ao fundo e observar os outros, e suas fisionomias. Indico esta ação, pois veras o leitor, se na fonte buscar comprovar, que o rosto de cada um trás suas marcas, seus caminhos. Embora todos tentem, ninguém é capaz de esconder sua história que sempre se reflete num olhar, num gesto.

No meio, por exemplo, se punha mulher de rosto sofrido, carregando consigo seus piás, três para ser mais exato. Eram duas poltronas pros quatro, e suas marcas profundas me permitia pensar quão difícil era sua luta diária. Seus olhos profundos indicavam problemas, talvez de saúde, já que numa sacola tinha-se um envelope, e nele impresso “Raio-x”. Coisa comum, gente do interior, buscando ajuda na capital.

Todos abancados em seus lugares, um pouco de demora, mas logo parte nossa condução, deixando em seu rastro o concreto armado da metrópole, e seu agitado trânsito, e em poucos minutos cruzando a ponte sobre o lago que chamam de rio, e alguns quilômetros mais esperam paisagens rurais, num horizonte longínquo e plano onde nasce o ouro dos cereais. Mas a paisagem pela janela, não me atrai, e continuo analisando meus iguais.

Em uma parada subiu senhor de idade, na face o tempo lhe traz certa beleza e sabedoria, e suas mãos calejadas revelam uma vida de trabalho e suor. Suas vestes simples e características não deixam dúvidas, que aquele velho, alimentou com suas mãos muitos de nós. Na fileira à frente duas jovens falavam baixinho. Uma tinha lindos olhos verdes, que iam numa direção apenas, do rapaz da poltrona dez. Ele fingia não perceber, mas eu, muito atento logo soube por que, pois a aliança que carregava era o necessário para entender.

Ao meu lado um homem, do jornal não largava um único instante, como se viciado em informação constante, e ciumento olhava-me feio quando roubava uma espiada nas notícias do esporte. Mas ninguém trazia tanta alegria como uma pequena, que vinha da frente ao fundo distribuindo seus sorrisos e encanto, se bem que a senhora do banco cinco se mostrava insatisfeita com a peralta.

Fui o primeiro a sentir o impacto, dos ferros do caminhão que vinha logo atrás. Não tive tempo de reagir, e foi tudo muito rápido. A cabine arregaçando a lata do coletivo avançando até o meio, embolando-se os dois até o barranco. Dos gritos, gemidos e dores, não quero falar. Na hora me veio um só pensamento. Lembrar de toda aquela gente, que há pouco analisava. Do outro cada um diferente, que vão unir suas histórias num momento tão inconveniente.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 20/03/2008
Código do texto: T908917
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