O fim da morte.

Otávio parecia não compreender o que ouvia. O mundo parecia estar mudo para ele. Dr.Vinicius falava com a preocupação de um amigo, mas Otávio não o escutava. Olhou um retrato sobre a mesa do amigo. Os dois filhos do médico, que ele conhecia bem e já os fizeram sorrir tantas vezes. Voltou ao si e depois olhou Vinicus.

- Seis meses de vida? É isso Vinicius?

- ...

O amigo parecia não querer responder, como se evitando fala-las, assim teria Otávio vivo. Ele suspirou, baixou a cabeça. Não precisou de palavras.

- Mas há alternativas! Veja Otávio... há remédios, tratamentos avançadíssimos hoje... eu disse que terá esse prazo se continuar com a vida que leva. Você leva essa vida inconseqüente a vinte anos meu amigo! Vinte anos!

Falava como um pai fala a um filho após cometer alguma traquinagem. Otávio sorriu. Era bom notar que era amado. Mas ainda assim havia aquele vazio dentro do peito. Levantou-se e se foi, deixando Vinicius falar às paredes.

Ele caminhou por todo o dia. Não havia destinos em seus passos, apenas caminhava, olhando o mundo a sua volta que agora parecia tão perto de acabar para ele. Acreditava em Deus, mas não acreditava em religião, não era do tipo de pessoas que regia sua vida de acordo com princípios religiosos. Sabia que havia feito mal, tanto quanto sabia que fizera o bem. No fundo não era medo do inferno, e sim do de ficar longe de todos que ama. Pois esses sim, Otávio sabia que estariam em campos lindos e verdes. Se é que eles existiam.

Não dormiu em casa naquela noite. Foi a casa de Vinicius e o fez prometer que nunca diria a ninguém de sua doença. Disse também que o amava e que deveria dar mais atenção aos filhos, depois se foi.

Nos dias seguintes, não se deixou tomar pela tristeza. Foi ao rio, brincou como uma criança nas águas limpas e fortes. Nadou até que seus braços não suportassem mais tanto esforço, e o pulmão arfasse. Brincou com os sobrinhos no final da tarde e disse ao irmão que o amava e que deveria ser menos razoável, mas poeta. Eles discutiram naquela noite. Otávio disse mais uma vez que o amava e se foi.

Havia se passado um mês. Estava frio e ele foi a casa dos pais. E como ditava a tradição familiar, eles se encontravam aos domingos e almoçavam juntos. Aproveitou a família reunida e os fez feliz como sempre quis. Contou piadas ruins – que talvez só os fizessem rir por conta disso –, lembrou de sua infância, jogou os sobrinhos no ar, jogou cartas com o pai e depois pegou o velho violão e cantou para os pais. “Como Nossos Pais” nunca soou tão ruim, mas nunca pareceu ter tanto sentido para ele, Pensava Otávio. Os pais choraram, e ele se foi.

Dois meses depois e ele terminou uma peça teatral. A historia cômica de um doente e as situações que passava em um hospital. A deu de presente a um amigo, e disse que fizesse daquela peça a mais vista nos últimos anos. Depois disse para nunca desistir de seu sonho. Então se foi.

Naquela mesma semana ajudou um homem. Deu-lhe comida, roupas e o deixou dormir no quarto nos fundos do pequeno quintal por quase duas semanas. Foi quando o homem conseguiu um emprego. Otávio disse para ele aproveitar a vida e não se deixar cair novamente daquela maneira. Depois o homem se foi.

Foi preciso o quarto mês chegar para que tivesse coragem suficiente. Pegou o carro e foi até ela. Até o amor antigo. Ela atendeu a porta e com um ar de surpresa no rosto e eles se abraçaram – Otávio não lhe deu a chance de falar, não naquele instante. Depois eles falaram por toda a noite. Contaram sobre suas glorias e fracassos, mas ele não ousou dizer o que o matava pouco a pouco. Eles riram muito, depois perguntou se ela gostaria de se encontrar no dia seguinte. Ela disse sim.

O beijo no fim da noite posterior foi longo e doce, como ele já havia a tanto tempo esquecido. Um sopro de vida. E com as lágrimas presas pela garganta ele se foi.

Na madrugada ele fumou o ultimo cigarro, bebeu o ultimo gole de cerveja. Perguntou a Deus porque tinha de morrer. O coração em prantos. Foi quando ele soube a resposta.

- Otávio!

Disse Vinicius logo que entrou no consultório e viu o amigo sentado, lendo calmamente uma revista. Otávio o olhou, sorriu como poucos homens sorriem e respondeu com satisfação.

- Comecei a viver agora.

Zé Rizzotto
Enviado por Zé Rizzotto em 06/04/2008
Reeditado em 06/04/2008
Código do texto: T933310