O SEGREDO

O SEGREDO

Marcos é natural do Rio de Janeiro e na ocasião em que estava cursando a faculdade foi participar de um intercâmbio nos Estados Unidos e acabou dando um jeito de ficar por lá. Ele participou de um estudo duplo-cego realizado por um grupo de pesquisa de um laboratório nos Estados Unidos sobre a aplicação de droga psicoativa. Queriam saber como esse tipo de droga age na neuroquímica e neurobiologia do organismo humano para tentar confirmar a interação delas com os receptores de serotonina.

Ele se tornou viciado e não comunicou aos responsáveis pelo estudo e por ser um sujeito muito aventureiro, freqüentemente ia ao México buscar uma droga em forma de pó que escondia acomodada na cueca. Geralmente a embalagem que acondicionava o produto se rompia e ficava em contato com a pele e de alguma forma o organismo dele absorveu a substância que passou a constituir parte do DNA das células de formação dos seus espermatozóides, as espermatogônias. Em todos os exames que ele fez no encerramento do programa nada se detectou. Alguma coisa prejudicou o organismo das pessoas envolvidas no estudo e a justiça decidiu que todos os elementos que compunham o grupo de estudo receberiam compensação em dinheiro a título de indenização.

Com o dinheiro recebido ele comprou terras baratas no norte de Mato Grosso e foi se dedicar à pecuária. Por ser jovem e rico para o padrão da região, era muito cobiçado pelas mulheres da área.

Ele namorou uma garota do Rio de Janeiro que estava de férias na fazenda dos tios, chamava-se Rossana, foi encontrada morta, o corpo boiando na lagoa, depois de três dias desaparecida. Procuraram-na em todos os recantos da região a partir do momento em que os tios preocupados por ela não ter retornado para casa, sabendo que tinha estado na fazenda dele pela manhã. Marcos contou ao Delegado que ele a tinha deixado na cidade porque ela disse pra ele que ia ao banco retirar uma importância em dinheiro que os pais lhe tinham enviado. O seu álibi foi confirmado pelos funcionários do banco, e também porque o dinheiro ainda estava no bolso do seu jeans quando foi retirada da água. Um sitiante que arava a sua terra perto da lagoa disse que viu a moça passar correndo desesperada, em direção ao lago, gritando como se alguma coisa a estivesse perseguindo, mas eles não viram nada, acharam estranho, até por que sempre a viam passar em frente ao seu sítio passeando com o namorado, os dois pareciam que se gostavam muito, pelo menos assim deixavam transparecer. Como ela continuou correndo e não voltou retornaram aos seus afazeres.

A investigação policial pela morte da moça restou insolúvel, eis que o corpo não continha qualquer marca que sugerisse violência de qualquer tipo, sendo encontrado somente resíduo de esperma no canal da vagina e no útero. O Delegado sabia que o esperma era de Marcos porque ele mesmo revelou quando, foi interrogado, que tinham tido relação sexual pela manhã. O corpo foi prontamente enterrado porque estava muito inchado por permanecer longo tempo na água, aguardou-se somente a presença dos pais. Eles, tristes, sabedores do romance da filha, quiseram conhecer o Marcos, e se demonstraram, também, pesarosos com a tristeza demonstrada pelo rapaz, cujas atitudes indicavam gostar muito da moça.

Decorridos cerca de seis meses do episódio que resultou na morte da Rossana, Marcos foi convidado para o aniversário de dezoito anos da filha mais nova do Prefeito da cidade, uma garota bonita de cabelos escuros e olhos azuis, considerada uma das mais bonitas da cidade. Os dois logo se interessaram um pelo outro e naquele mesmo dia iniciaram o namoro. Não tardou, ele passou a freqüentar a casa do futuro sogro. Depois de algum tempo Gabriela, esse é o nome dela, que demonstrava ser muito extrovertida, passou a manifestar, de vez em quando, comportamento escandaloso, passeava totalmente nua pela borda da piscina, e não dava ouvidos aos apelos da mãe para que se vestisse, pois parte da área da piscina podia ser vista por quem transitava na rua, já tendo sido inclusive fotografada, e as fotos publicadas por um jornal editado na cidade cujo dono era adversário político do pai dela. O fato aconteceu duas vezes e nessas ocasiões ela parecia estar fora de si, assim como em estado de transe, sem se dar conta do rebuliço que provocava. Depois ela dizia não ter se lembrado de ter feito aquilo, e que ela jamais teria coragem de desfilar nua na frente dos outros. Na segunda vez ela se sentiu muito mal e desmaiou, sendo levada às pressas para o hospital. Realizaram vários exames, mas a única coisa que encontraram foi resto de sêmen no útero. Nada que pudesse provocar a alteração no comportamento.

Um dos médicos durante a consulta sugeriu que ela pudesse estar utilizando alguma droga psicotrópica que provocasse alucinações. Segundo ele, está confirmado que o uso de certas drogas psicoativas pode levar à loucura, à morte ou ao suicídio, projetando o homem aos trambolhões através de sua própria mente num estado alucinatório, uma “viagem” que pode durar até 12 horas, os sentidos parecem confusos, os efeitos colaterais são os "flashbacks", repetições repentinas das "viagens", que podem surgir semanas ou meses depois da droga ter sido consumida. O usuário também pode sentir pânico, ansiedade e delírios ruins, a chamada “bad trip”.

Como esses episódios de alteração da personalidade eram recentes e começaram pouco depois do início do namoro com o Marcos, provocaram mudança profunda no relacionamento dos pais dela com ele, principalmente quando souberam que foi encontrado esperma durante os exames. Apesar de a Gabriela garantir aos pais que jamais utilizou qualquer tipo de droga e que também nunca viu o namorado, sequer fumar um cigarro ou qualquer outra coisa do gênero, e não acreditava, em hipótese alguma, que ele se utilizasse de drogas, portanto eles não tinham razão para mudarem as atitudes em relação a ele, nem para se comportarem daquela maneira depois de saber que eles mantinham relacionamento sexual. Mas infelizmente não conseguiu convencê-los. Então, em função da dificuldade que os pais impuseram para que os dois continuassem se encontrando, eles acabaram por se afastar e o namoro terminou.

Esse episódio deixou o Marcos muito chateado. Ele até pensou em vender a propriedade e procurar outro lugar para se estabelecer, principalmente porque sempre que ia à cidade calhava de encontrar a Gabriela e apesar de tudo eles ainda se gostavam. Pior era encontrar o pai dela, o Prefeito, que sempre dava um jeito de se afastar ou de impedir um encontro. Mas depois de pensar muito resolveu permanecer na região, afinal ele não se sentia culpado, na realidade, ele nem sabia por que eles fizeram com que ela desmanchasse o namoro com ele. Ela simplesmente disse que os pais não queriam que eles continuassem o relacionamento e ela não podia deixar de seguir as ordens deles, apesar de amá-lo.

Mas nada como um novo amor para cicatrizar as feridas. Desta feita ele caiu de paixão por uma garota bem nova, cujo nome era Érika, uma adolescente de dezessete anos, filha do pastor da igreja local. Os pais eram muito rígidos com ela, cautelosos. Com uma moça bonita e inocente tinha-se que ter muito cuidado. Mas foi amor à primeira vista, assim que ela levantou os olhos quando foram apresentados teve que desviá-los, ruborizada, em face da avidez que os dele demonstraram. Ele por sua vez não conseguiu mais esquecer a imagem daquele rosto lindo que passou a fazer parte dos seus devaneios, principalmente na solidão de sua cama de solteiro. A sua conhecida condição de descrente em Deus dificultava o acesso à menina, já que seus pais eram muito rígidos nesse particular e pela novidade do envolvimento da filha com um homem, principalmente, depois de perceberem o interesse mútuo que restou indisfarçável no primeiro encontro, procuravam manter a moça o mais afastada possível dele, principalmente pelo escândalo provocado pelo Prefeito face ao episódio envolvendo a sua filha e o envolvimento com a polícia no caso da sua falecida namorada Rossana, assim no entender dos pais dela ele não tinha um bom currículo.

Apesar disso, a atração dos dois foi impossível de ser contida e tanto fizeram para realizar o que os respectivos corações estavam querendo que conseguiram e, não demorou muito, já estavam namorando escondidos e, por solicitação dela, ele foi conversar com os seus pais e pediu consentimento para namorarem. Ele não sabe o que ela fez, mas a mãe estava bastante receptiva e o pai emburrado, mas admitiu.

Marcos ficou desconfiado depois do que aconteceu, primeiramente com a Rossana, depois com a Gabriela, ambas acometidas de distúrbios neuropsíquicos de caráter passageiro como se estivesse se utilizando de drogas psicotrópicas, com conseqüências trágicas no primeiro caso, depois de iniciarem relacionamento sexual com ele e procurou realizar exames minuciosos para saber se de alguma forma ele contribuiu para que aquelas coisas acontecessem, evidentemente por conta dos efeitos desconhecidos das drogas utilizadas no programa do qual ele participou nos Estados Unidos.

Descobriu-se que algumas células de seus espermatozóides continham resíduos de uma substância alucinógena. Foi informado que provavelmente estava sendo eliminada junto com o sêmen e estaria se esgotando e que com o tempo as suas células ficariam livres da substância pela própria ação da espermatogênese.

Descoberta a causa provável daqueles episódios ele resolveu manter sigilo. Não se achava culpado pelo que tinha acontecido porque ele não sabia e jamais iria imaginar que pudesse acontecer alguma coisa nesse sentido.

Ficou preocupado porque, nessa altura, ele e a Érika já estavam mantendo relações sexuais, e não poderia, de repente, sem que explicasse a situação para ela, alterar o seu comportamento. Assim resolveu arriscar e não revelar nada, torcendo para que ela tivesse mais sorte que as outras.

Um dia, eles estavam juntos e de repente ela começou a dizer que tinham que ir correndo para casa dela para se amarrarem, eles dois e os pais dela, na jaqueira, porque a Terra ia perder a gravidade e tudo que estava solto, pessoas, carros, animais iriam flutuar e se afastar no infinito. Ela estava apavorada. Ele custou muito a convencê-la que ela deveria ter sonhado, porque a imprensa não divulgou nada daquilo que ela estava dizendo, mas felizmente conseguiu acalmá-la e ninguém ficou sabendo do episódio.

Depois de cerca de seis meses de namoro ele já estava achando que tinha se livrado do problema que lhe afligia, baseado nas informações do médico que a substância seria eliminada na medida que as células se renovassem.

Era cerca de meio-dia de um sábado quando o pai da Érika foi até à fazenda dele tomar satisfações, vermelho de raiva, os olhos saltando das órbitas. Por pouco não o agrediu, dizendo que o Marcos tinha abusado da filha dele e que agora ele teria que tomar atitudes de homem e se casar com ele com urgência, apesar de contra a vontade dele, mas só assim poderia se reabilitar perante a Deus, dizendo que cansou de avisar à filha e à mãe dela, mas elas não lhe deram ouvidos e por isso o Satanás veio desgraçar a sua família.

- Mas o que aconteceu? –perguntou o Marcos.

- Eu mesmo a levei lá pro hospital com uma bruta hemorragia lá por baixo, você deve saber muito bem por onde. – respondeu o Pastor- e continuou: eu quero que o Senhor venha comigo e tome as providências para corrigir o mal que fez para uma menor de idade senão eu vou levar o caso para a polícia quer a minha filha e a minha mulher, que não sei por que está se doendo pela Érika, queiram ou não queiram.

Foram para o hospital, o Marcos recusou-se a entrar no carro do Pastor, preferindo ir sozinho no seu, pensando no que poderia ter acontecido. E quando chegaram ao Hospital o Pastor não permitiu que ele fosse ver a namorada antes de falar com o Médico.

- Doutor, diz pra ele o que foi que vocês encontraram dentro da minha filha, uma menor de idade...

Ele já está enchendo o saco. – pensou o Marcos. O Médico, coincidentemente era o mesmo que relatou para ele o resultado dos exames que ele tinha feito.

- Bom, -começou a falar o Médico- a menina deu entrada aqui no Hospital com hemorragia pela vagina. O exame local revelou resíduo de material parecido com esperma e outras substâncias que ainda não identificamos. Ela estava em estado alucinatório dizendo que estava grávida e que tinha que abortar de qualquer jeito porque ao pais dela não poderiam saber. O desespero era tanto que ela ingeriu vários chás de ervas, incluindo quebra-pedra, romã, aroeira, até de pimenta do reino e buchinha do norte que provoca muitas cólicas e é agente hemorrágico muito ativo. Disse ela também que introduziu comprimidos de permanganato de sódio na vagina. Quero ressalvar que ela não estava em estado de gravidez, está no período pré-menstrual e a possibilidade é muito remota de alguém engravidar nesse período. Talvez a tensão pré-menstrual tenha contribuído para isso tudo que aconteceu. Alguma coisa fez com que ela pensasse que estava grávida e por isso usou todos os recursos disponíveis para tentar abortar. Mas agora ela está bem, foi medicada e já pode ir para casa.

- Mas como é que ela soube de todas essas coisas que podem provocar aborto? A gente nem fala sobre isso lá em casa. Jamais pensei que minha filha fosse me fazer passar essa vergonha, espero que esse assunto morra aqui, senão nós vamos ter que mudar de cidade, afinal eu sou Pastor da igreja e a conduta da minha família tem que ser digna da incumbência que Deus me deu. – falou o Pastor dirigindo-se ao Médico.

- Ora Pastor, hoje em dia essas meninas conversam muito entre si coisas que o senhor nem imagina, pelo que estou percebendo, elas sabem muito mais do que o senhor pensa. Além disso, tem a internet, Orkut, enfim, um campo muito vasto de pesquisa, que muitas vezes, como é o caso, acaba prejudicando em lugar de ajudar. – respondeu o Médico.

- Você cometeu abuso sexual contra minha filha e agora vai ter que reparar isso, ou eu vou ter que ir à polícia? – disse o pastor agora dirigindo-se ao Marcos.

- Eu não cometi qualquer tipo de abuso contra a Érika, nós tivemos relação sexual sim, e não foi só uma vez e foi consensual. Nós somos namorados e simplesmente aconteceu. Ela tem dezessete anos, mas já é mulher e eu sou homem. As pessoas não se tornam homem ou mulher quando atingem a maioridade, isso é determinado pela natureza. A questão de maioridade penal é determinada pelos homens, assim como o chamado abuso sexual alegado pelo senhor. Caracteriza-se abuso quando o ato sexual é imposto mediante violência física ou ameaça e isso definitivamente não ocorreu, muito pelo contrário. Ela é minha namorada e quer o senhor admita ou não, fez por livre e espontânea vontade, pergunte a ela se não foi assim. – respondeu o Marcos.

- Eu vou perguntar a ela sim, apesar de ela estar muito estranha depois que te conheceu. Já nem obedece mais a mim e à mãe, está sempre irritada. – disse o Pastor, preparando-se para sair.

- Marcos, antes de você sair eu queria conversar contigo. - disse o Médico -É sobre os seus exames. Pastor o senhor poderia nos dar licença, por favor? – completou.

O Pastor saiu irritado e desconfiado.

- Vamos esperá-lo lá no quarto. – disse ao Marcos.

- É Marcos, deu azar de novo! E dessa vez parece que você foi mexer em casa de abelha. – disse o Médico tentando ser agradável – O fato é que, pelo que ocorreu, você ainda não está totalmente livre daquela substância. O que é que você pretende fazer?

- Eu pretendo me casar com ela. Penso que assim eu resolvo o problema da melhor maneira. Vou contar a verdade pra ela. Durante um período, até termos certeza de que estou livre do problema, vou usar preservativo. Eu gostaria que o Senhor continuasse a acompanhar o meu caso, realizando exames. Depois, quando estivermos seguros vamos pensar em filhos. A Érika é muito nova e podemos esperar. Eu tenho certeza que ela vai compreender.

- Então, agora vamos lá ver a nossa amiguinha. Leve-a para casa e se acerte lá com os teus sogros e não se esqueça de me convidar para o casamento. – disse o Médico.

- Pode deixar Doutor, eu faço questão. A gente ainda vai se ver algumas vezes mesmo. – respondeu.

Quando eles entraram no quarto a mãe, muito zelosa, estava dando comida à filha enquanto o pai, com cara de enfezado olhava através da janela, parece que já tinham conversado. De imediato falou:

- Agora me digam, os dois. O que vão fazer? – perguntou o Pastor.

- Eu vou me casar com ela, isto é, se ela quiser e se os senhores permitirem, evidentemente. – disse o Marcos.

- Vamos? – perguntou a Érika.

- Você quer? Perguntou o Marcos.

- Nós aceitamos! – Disse a Érika olhando para os pais, como se pedisse confirmação.

- Então vamos logo correr os papéis que eu não quero minha filha na boca do povo. – disse Pastor.

- Os dois saíram abraçados do hospital. Ela foi no carro do Marcos, contrariando o pai.