Calçada

Os passos na calçada ressoavam em minha cabeça um ritmo constante em uma inércia enjoada. Olhava a calçada e reparava bem em cada bloco que a formava, sujos marrons de terra, já foram brancos um dia, talvez? Alguma ou outra planta conseguia se esgueirar para fará do solo no espaço entre cada bloco, verdes, pequenas e frágeis e ainda estavam ali à pisadas de qualquer transeunte. As árvores retorcidas pela acidez do solo cresciam altas e fortes. As cigarras cantavam suas músicas ensurdecedoras chamando as chuvas que há muito não vinham. E eu distraído imaginava formas nas rachaduras dos blocos causadas pelas raízes de retorcidas árvores.

Um cachorro me acorda as latidas enquanto a dona tentava com todas as suas forças o segurar. Branco, grande e forte, cachorro assim carregaria aquela pequena mulher. Eu o encaro nos olhos esperando que venha a mordida e o animal pára e recua ganindo. Eles nunca querem enfrentar meus olhos. A mulher fazia carinho no cachorro assustado conversando com ele como se ele a entendesse: “Está tudo bem? Que houve menino?” e ainda parecia debilmente esperar resposta. Não a recebendo respira fundo e se levanta, vai embora.

Quando me viro vejo vindo em minha direção uma linda mulher. Cabelos castanhos ondulados, olhos verdes, nariz empinado. Seria ela? Éramos tão jovens. Éramos tão inocentes. Éramos nós. O jeito que ela arruma os cabelos quando anda, é igual. Mas há algo diferente, será a idade? Sem perceber a encaro tentando definir se ela é ela ou outra pessoa parecida. Tenho quase certeza que é ela. Devo cumprimentá-la? Abraçá-la? O que vou dizer? E se não for ela? Como é possível serem duas pessoas tão parecidas? Ela se aproxima caminhando, parece não me ver. Agora tenho certeza, é ela. O que fazer? Faz tanto tempo que decidimos não mais nos ver. Mas eu quero, quero falar com ela. Antes que possa me mexer ela passa por mim com um sorriso no rosto e me encara nos olhos. Não me reconheceu. Ela continua andando e eu ando para o outro lado. Ela sorria e parecia estar feliz e isso me marcou. Continuei meu caminho desenhando formas nas rachaduras da interminável calçada. Ela sorria e isso me fez sorrir.