Rodovia dos Pioneiros

— 180 quilômetros, Henrique?

— É isso. Cento e oitenta.

— É um trecho bom de estrada. Será que essas laranjas não vão se perder no caminho?

— Não tem problema, Afonsinho. Não tem espaço no porta-malas mas a gente arruma no banco de passageiros. Veja só...

Henrique e o irmão pegaram duas grandes sacolas de laranjas e alinharam uma em cima da outra no banco de trás. Antes amarraram os dois volumes e deram um jeito de prendê-los até com o cinto de segurança.

Estavam em uma fazenda, propriedade dos pais de Henrique e Afonsinho, que ali viviam. Henrique costumava passar habitualmente o final de semana no local, junto com a esposa e o filho de 7 anos. Nesse momento, um domingo à tarde, se preparava para voltar para a cidade.

Já no carro, malas e laranjas prontas, o filho de Henrique, no banco de trás, tenta inutilmente colocar o cinto de segurança.

— Papai, acho que o cinto está preso nas laranjas.

— Tudo bem, Carlinhos. A viagem é curta e nós conhecemos a estrada. Pode deixar pra lá.

E partiram. De fato conheciam a estrada, e ironicamente batizavam com nomes os buracos no asfalto. A BR estava vazia, o que fazia Henrique aumentar na medida do possível a velocidade do automóvel.

No entanto, não contaram com um animal que repentinamente entrou na estrada. Num reflexo, Henrique acionou violentamente os freios; o animal – um pequeno cervo – ficou paralisado no meio da pista, enquanto o veículo se aproximava.

Uma fração de segundo depois, o cervo deu um salto e prosseguiu seu caminho. O carro, rodopiando, invadiu em seguida o espaço que o filhote ocupara. Metros à frente parou, transverso na pista.

Imediatamente, Henrique levou o carro até o acostamento. Então, olhou num reflexo para a esposa.

— Comigo está tudo bem — respondeu a mulher, ainda um pouco tonta.

O casal olhou para trás: manchas de sangue riscavam o vidro lateral e o banco de passageiros. O garoto estava no chão do veículo, desmaiado, e sangrava muito.

Desesperados, dirigiram o carro rapidamente para a cidade mais próxima. Estacionaram em frente a um centro de saúde e, enquanto Vanessa pegava Carlinhos no colo, Henrique explicava o ocorrido para a enfermeira da recepção.

O garoto estava inconsciente e foi levado para a emergência. Após a chegada do médico, constataram-se alguns cortes profundos e uma fratura no nariz. Felizmente, ele não corria risco de vida; mas precisava passar a noite no local, em observação.

Já de noite, acordado e na companhia da mãe, Carlinhos acompanhava um filme na televisão quando seu pai entrou, com um copo na mão.

— Tome, meu filho, vai ser bom pra você.

— E o que é, papai?

— Suco de laranja, feito com as frutas que a gente trazia da fazenda. Como estavam bem amarradas e protegidas, as frutas não se perderam no acidente...

OBS: A arte imita a vida mas a vida também imita a arte. Em 2008, alguns anos depois da criação desse conto, um motorista australiano foi multado por carregar uma caixa de cerveja no banco de trás do carro e amarrá-la com o cinto de segurança. Enquanto isso, um menino de cinco anos ficou sentado no chão do veículo, desprotegido...

Glauber Vieira Ferreira
Enviado por Glauber Vieira Ferreira em 22/05/2008
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