Ponto Final

Um copo de café. O velho copo tão habituado neste horário. Um fim de tarde com sol vermelho. Roberto engole aquele líquido, enquanto o pensamento seguia para algum lugar que ele não sabia. Freqüentemente eles fogem do sujeito sem dar satisfação, resultando num sentir próprio: a solidão. Roberto organizou os papéis da mesa, a todo o momento tinha que arrumá-los. Era essa a ocupação dele quando estava lendo ou escrevendo alguma coisa.

Colocou o livro na sua frente, o copo no seu lado e ajeitou a cadeira. Concentrado para as últimas três páginas. Depois de uma viajem de 338 páginas à França napoleônica, restavam somente estas três, que bom! Finalmente saberia como iria desenrolar o destino do protagonista, verdade que não o teve muita empatia, porém ficou à medida do tempo curioso com que poderia vir acontecer com ele. Esposa, amante, luta de espadas, copos de vinho e um spleen diário. Digno de uma historia de transição do romantismo ao realismo. Assim, Roberto lia cada palavra atenciosamente, ao mesmo tempo em que construía a imagem descrita pelo escritor, relembrava as outras pela qual passou, percebeu estarem interligadas, não podendo ser independente da que passava no momento. Com isto percebeu que o passado sempre tem ligação com o presente e posterior com o futuro, entretanto, se no romance a idéias estão concatenadas para um fim planejado pelo escritor, para vida não tinha certeza de ocorrer o mesmo. Roberto parou a leitura por uns segundos e nestes, refletiu que se caso a vida fosse também escrita, ela não seguiria a lógica narrativa, pois perderia a autenticidade, com certeza a vida estaria ligada à lógica do pensamento. Sendo construída por imagens pulsantes, sobrepostas uma a outra com um resultado não esperado pelo ser pensante. Aí sim. A vida seria digna de ser vivida.

Sem mais refletir, Roberto retornou a leitura. Suas retinas forneciam as informações necessárias para o entendimento do leitor, esforço em “adivinhar” o final daquela história. Apesar de já saber que o protagonista já havia tido a cabeça guilhotinada a mando do governo da França, ainda havia os dois filhos tido com a esposa, qual seria o destino deles? Obviamente seria ficar com a mãe, entretanto ela estava à beira da morte devido a um peste que assolou a vila que morava. No final, a emoção de saber o fim estava palpitando enormemente em Roberto. Não poderia pular logo para página final? Não. Já havia seguido uma linha leitura até agora, não seria no fim que quebraria este teu plano tão bem lapidado. Trinta páginas de manhã e vinte à noite, cinqüenta por dia. Roberto fez uma média de dois minutos para cada página. Assim ele seguia na sua leitura que já chegava à última página. “Pela emoção, não posso responder.” Roberto leu com voz alta a primeira frase. Então, o celular tocou, eram os amigos chamando-o para sair, disse a eles que poderiam passar na casa dele porque estaria aguardando-os. Voltou a ler. Faltavam não mais que três parágrafos, mas a cabeça ficou um pouco perturbada, devido pensar em qual lugar sairia esta noite. Será que encontraria Marta? Roberto torcia para que isso acontecesse já fazia certo tempo que esperava por esse encontro. Com a mente um pouco confusa, retornou duas linhas antes para se situar novamente no romance. Contudo levantou-se e foi tomar um copo d’água. Os amigos não viriam agora. Sempre demoram.

Depois do copo d’água sentou na escrivaninha. Viu o ponto final, queria chegar nele e terminar a sua jornada e começar a outra que já o aguardava. Agora seguiria para a Rússia, mais especificamente São Petersburgo. Lá se foi... No último parágrafo, de cinco linhas, os amigos chegam e buzinam. Mais de três vezes. A concentração sumiu não tinha mais a mente para o romance, queria ter, mas não tinha. Estava impossível ter sua atenção voltada para o livro. E agora? O que deveria fazer? Os amigos já chamavam o seu nome. Não havia muito que fazer, pegou o marca página colocou-o no livro e fechou, mas antes de sair com os amigos fitou o ponto final e não mais deixou de tê-lo na sua mente.