SOLUÇÃO

Depois de um tropicão na porta da escola, Edgar mordeu sua língua com tamanha violência que o sangue sujou sua camisa novinha e os detalhes em branco acabaram ganhando tons avermelhados. Mas apesar da dor, do sofrimento e, principalmente, da vergonha do pobre coitado, o que mais chamou atenção de seus coleguinhas depois do mísero acidente foi o fato de Edgar, ainda aos 12 anos de idade, ter começado a soluçar sem parar.

Quando uma preocupada Dona Rosália levou seu filho ao médico depois de três dias de intermináveis soluços que não deixavam ninguém em casa dormir, o menino descobriu que o problema era mais grave do que parecia. Aparentemente, uma complicação no diafragma ocorrida logo após ao tropicão que o deixou vermelho de vergonha e de sangue, era a causa daquele soluço dos diabos.

Insatisfeita com a resposta do doutor, Dona Rosália não teve dúvidas: ligou para as vizinhas. E foram anos e mais anos de um tal de beber água de cabeça para baixo, dar três golinhos de água sem respirar, dormir com palitos de fósforos atrás da orelha, forçar arrotos cada vez mais demorados, pular e cantar ao mesmo tempo “O Dia em que a Terra Parou”, de Raul Seixas, e até passar dias inteiros tapando os ouvidos com as mãos. Mas no fim das contas, os anos passaram e nenhuma dessas simpatias milagrosas funcionou.

O menino virou homem e ainda na faculdade os amigos preparavam armadilhas incríveis para dar um susto em Edgar. Mas, valente que era, o rapaz não se assustava com nada e o soluço insitia em continuar. Já mais velho, no trabalho, foram tantas as tramóias que seus colegas preparavam que chegaram até a inventar uma demissão para ver se finalmente davam um susto no infeliz. Obviamente, Edgar não deu a menor bola. Nem a morte de sua mãe, depois de um atropelamento traumático para a família toda fez com que o soluço sumisse.

O tempo passou, Edgar se casou, teve filhos, netos e, às vésperas de completar 80 anos de idade, o soluço insistia em sair de sua garganta. A data importante fez com que sua senhora preparasse uma festa surpresa para ele.

Como surpresa pouca era bobagem, a velha chamou até o pessoal do Guiness para homologar o novo recorde mundial que Edgar estava prestes a roubar do americano Charles Osborne, que chegou a passar 68 anos de sua vida ingrata sem parar de soluçar. Até a imprensa local foi chamada para cobrir o evento tão importante. A vizinhança ficou em polvorosa.

No data da tão esperada surpresa, Edgar, como fazia todas as tardes, passou na padaria e tomou um trago com seus colegas. Deu seus inconfundíveis soluços a cada 45 segundos contados no relógio e foi para casa levando 6 pãezinhos ainda quentes.

Mas ao entrar em casa, o susto foi tão grande com a confusão que a imprensa e o pessoal do Guiness havia armado em seu lar doce lar, que Edgar parou de soluçar instantaneamente. Os aplausous da vizinhança viraram suspiros e Charles Osborne manteve o seu incrível recorde mundial.

Pior do que isso, só o infarte que atacou o coração do pobre Edgar. E já que o pessoal do Guiness estava lá pra homologar algum recorde, invetaram na hora uma nova categoria e lá se foi o senhor Edgar Cardoso de Almeida parar nas páginas do livro: infarte mais fulminante da história da humanidade.