ERRO DE ESTRATÉGIA

1973. O Grêmio Escolar do meu colégio resolveu fazer a eleição para uma nova diretoria, uma vez que a anterior já havia caducado, e, portanto, estava totalmente inoperante.

Começou o burburinho. Quais seriam os candidatos à presidente? Sim, dos outros cargos, ninguém se lembrava, mas para a escolha da cabeça de chapa era um Deus-nos-acuda!

Eu cursava a 4ª série ginasial (que hoje corresponde à 8ª do Ensino Fundamental), no período da noite. Bem, estávamos assistindo à aula de Português, quando adentrou a sala um grupo de alunos do turno noturno convidando-me a ser candidata pelo partido deles: o partido da oposição. Oposição feita à diretoria da escola, que fique bem claro. Os meus colegas de classe, mais de 40, se entusiasmaram e começaram a bater palmas, a assoviar e a gritar: aceita! Aceita!

Confesso que me senti lisonjeada, porém, tive medo. Sabe quando você cresce observando e aprendendo a maneira suja, clientelista e arbitrária de se fazer política? A minha vida toda havia participado de comícios e campanhas políticas na minha cidade, (mesmo sem sequer ser ainda eleitora). Tomava conhecimento das fofocas, das perseguições de quem estava no poder contra o lado mais fraco e tudo aquilo me enojava, mas ao mesmo tempo me excitava!

Nunca havia passado pela minha cabeça enveredar pela política, não para pleitear cargo, fosse eletivo ou de confiança do prefeito. Mas, ali, naquele momento, vendo os meus colegas dando a maior força para que eu me candidatasse e contando com o apoio dos outros, que estavam em séries mais adiantadas do que eu, quase digo: sim! Quase, mas faltou-me a coragem.

Que decepção! O clima na minha classe foi de derrota, quando recusei o convite. Contudo, eles não podiam imaginar que mais decepcionada estava eu, comigo mesma! Uma oportunidade como aquela, como pude deixar escapar?

Mais tarde, já em casa, conversando com os meus botões, acusei-me de covarde. Pôxa vida, depois de tantas coisas pelas quais você passou, agora que está conseguindo o seu lugar ao sol, foi dar pra trás?

- Maria do Carmo, venha até a Diretoria, por favor!

Era o Professor Manoel Pedro, pessoa muito querida, por quem tenho muito respeito e carinho. Era o professor de Inglês e Secretário manda-chuva do Colégio. Diretoria? O que foi que eu fiz, desta vez? Dirigi-me à sala do Padre Juca, o diretor turrão (mais tarde, meu amigo particular), com o coração aos pulos.

- Entre filha, entre. Precisamos conversar. Sente-se.

- Padre, diga logo o que quer! Não vê como estou nervosa?

- Calma! Olha filha, está havendo esse movimento aí no Colégio, para a eleição do Grêmio. E nós, não é, Manoel Pedro? Nós, aqui da diretoria, queremos lançar uma chapa para concorrer com a dos alunos.

- Eu sei, eles já foram me procurar.

- Certo, filha, certo. Mas, veja bem: eles já têm o candidato. Já resolveram que vai ser Jurandir, aquele do 3º Ano de Contabilidade.

Nesse momento, entra a Profª Judith Arlego, referência na educação do município.

- Maria do Carmo, o que nós queremos é que você seja a nossa candidata. Jurandir é um candidato muito forte e para enfrentá-lo, só você!

Huum... Que elogio! Encheram a minha bola! Só eu? Em meio àquela quantidade de alunos, muitos até mais velhos e mais experientes, eles queriam a mim?

Fiquei cega. O meu ego foi tão bem massageado que naquela hora, sem ponderar, sem pensar mais em nada, sentindo-me inclusive já eleita, (candidata da diretoria, ora!) aceitei.

Começou a batalha. Os meus colegas de turma, ao saberem que havia concordado em concorrer pela situação, logo se chatearam e foram dar apoio à oposição. Mas, como eu já exercia certa liderança entre os alunos e havia aprendido a lidar com eles para poder conquistá-los, a campanha deslanchou. Ia tudo muito bem: visitas às salas de aula para expor o programa de governo e pedir o voto, comícios no pátio, na hora do recreio, discussões entre os eleitores mais exaltados, enfim, tudo transcorria sem muita diferença do que acontecia lá fora, na época das eleições para prefeito e vereadores. O modelo era o mesmo.

O último comício foi marcado para acontecer no intervalo da tarde, no galpão. O Padre havia emprestado o alto falante que ele usava para celebrar missa no interior do município e eu já estava com o discurso todo pronto. Iria “arrebentar”!

Nessa fase da minha vida, eu era gordinha, mas tinha umas pernas muito bonitas! Não gostava muito de usar saias, contudo, naquele dia, precisava estar bem apresentável. Havia ainda muitos votos a conquistar e todas as armas seriam bem vindas. Caprichei no visual: cabelos pretos, longos e alisados (eram cacheados, mas fazia “touca” para ficarem lisos e brilhantes), saia pregueada e acima dos joelhos, salto alto. Bom, foi o melhor que pude fazer. E lá vou eu, descer as escadas como se fosse uma miss, dezenas de olhares voltados para mim e eu me sentindo a própria! Ao descer o terceiro degrau, pisei em falso, escorreguei e rebolei até o chão. A saia levantada até o pescoço, deixava ver a calçola.

Houve risadaria e tanto assovio que me deixaram louca! Os meus opositores se aproveitaram da situação e começaram a falar em voz alta, quase que gritando:

- Vejam! Essa é a candidata que vocês querem eleger?

- Onde já se viu moça direito mostrar a calcinha assim pra todo mundo?

Eu, ali, com cara de tacho, toda sem graça, sem saber o que fazer. Uma colega amiga correu a me socorrer. Baixou a minha saia, ajudou-me a levantar e entregou-me o microfone que havia deixado escapulir da mão, na queda.

Olhei para cima, lá estavam os professores que me apoiavam politicamente tentando disfarçar a risada. Pensei: preciso agir rápido! Já sei, vou entrar na onda, também. Comecei a rir. Ria tanto que até aqueles que ficaram sem jeito por minha causa, também me acompanharam naquela resposta ao público.

Não houve mais condições para a realização do comício. O intervalo acabou, a sineta tocou e os alunos foram aos poucos se dirigindo às suas salas. E eu fiquei ali, no pátio, sentada no canteiro segurando o meu discurso e pedindo a Deus que não deixasse que uma simples queda ou a visão da minha calcinha me tirasse o prazer da vitória. Mas tirou.

Assim, anos 70, cidadezinha do interior, falsos moralismos, aquilo que poderia representar o início da minha escalada rumo a um futuro de glórias, não passou de um sonho mal sonhado,

Também, o que era que eu queria? Por que fui apelar para o uso da saia justamente quando ia fechar com chave de ouro a minha campanha? Ainda se tivesse vestido uma calcinha bonita, sensual... mas, fui vestir justamente a calçola cor de abóbora?

Erro de estratégia!.