O presente

_ Tome meu filho! Um presentinho para você que mamãe trouxe. Veja só a situação caro leitor, o rapaz que ainda não foi apresentado é uma espécie de ateu, a mãe católica fervorosa, foi a Aparecida do Norte e trouxe ao filho um chaveirinho com a imagem da santa.

_ É para te proteger à noite! O mundo anda tão violento, que quanto mais proteção melhor.

O rapaz agradeceu, educado, beijou a face da mãe, guardou o presente e saiu.

Ele era um bom filho, trabalhador, estudioso, nunca deu trabalho, a mãe dizia. Mas não acreditava em Deus, e olhe amigo leitor que não faltou esforço da pobre senhora, levava–o ainda menino as missas, todos os domingos? E aos sábados também. E quando de alguma maneira faltavam a missa da manhã iam na da noite.

Mas o rapaz cresceu, infelizmente para a mãe, tomou corpo, opinião própria, o que era pior, veja caro leitor, que paradoxo, enquanto a mãe estava enfornada dentro de igrejas, o filho dizia, que Jesus tonara-se alvo dos marketeiros das religiões, os ensinamentos dele eram bonitos, pregavam a paz, o amor, a caridade, mas, vinham os padres, pastores e os que os valham e os transformavam em troca do vil metal, pregavam aos fiéis, que se não se comportarem de uma determinada maneira, não alcançariam o reino dos céus. Mas veja só, dizia ele, se foi Jesus que curou no sábado, e quebrou várias outras normas do judaísmo, religião em que foi educado, podiam outros ou ele mesmo criar novas normas para os seguidores e dizer aquelas não eram boas, mas sigam essas que acabei de tirar do forno.

Começou a namorar Márcia, descendente de japoneses, gestos velozes e seguros, moça inteligente e por incrível que pareça, leitor olhe o paradoxo aí novamente, ela era evangélica, o rapaz não quis saber qual das inúmeras igrejas ela pertencia, sabia apenas que era uma das menos rígidas, pois Márcia adorava usar calça jeans.

Certo dia estavam indo ao cinema, quando passaram em frente a um salão, onde, uma grande faixa anunciava: “Venha dançar com cristo! ”, O rapaz viu a faixa, balançou a cabeça e mostrou a namorada:

_ Eles fazem isto é para chamar os jovens para freqüentar a igreja e ouvir a palavra. Disse em tom sério Marcia.

_ Que palavra? Não podem ouvir de outro lugar? Só lá ? Brincou o rapaz, Marcia fechou a cara e soltou um leve gemido desaprovando o namorado.

_ É justamente isso que me irrita nas religiões, se este Jesus Cristo é tão importante para vocês (se referindo aos religiosos, caro leitor) não seria pecado dançar com cristo? Ou seria mais um artifício para colocar dentro da igreja não só os jovens para ouvir a palavra e sim deixar sua porcentagem do dízimo, para pagar as regalias, mansões e bons carros para os pastores?

Leitor, a menina ficou brava, aquilo a magoara, desceu do carro no primeiro farol foi embora. O rapaz entristeceu, pois, tudo começou como uma simples brincadeira.

Chegando em casa contou o ocorrido à mãe.

Se existisse mesmo um Deus, ou seria Jesus, e o Espírito Santo onde entraria? Ele nunca entendeu porque a religião católica é considerada monoteísta se existe três Deuses, ou seria um só Deus dividido em três, falou se estivesse errado e realmente existisse esse Deus, da mesma maneira que as religiões pregam, ele teria que se redimir para os três, ou para um só bastaria?

A mãe disse para ele não brincar com coisa séria que Deus castigava.

Leitor, o rapaz era chato mesmo, ele disse à mãe que se Deus iria castigá-lo, onde estava aqueles que diziam que se você se arrepender de coração (e de espírito ou alma) Deus te absolve dos erros. Não era esse o argumento que os evangélicos usavam para os bandidos, assassinos e estupradores regenerados na fé?

Mas o rapaz estava amando Márcia, não seria uma briguinha que iria causar a separação deles, ele decidiu então não mais se envolver em assuntos religiosos da namorada nem da mãe, telefonou e novamente se encontraram.

Pedido de desculpas dos dois, seguidos por beijos e abraços que selaram a paz.

O rapaz entregou a namorada o chaveiro que ganhara da mãe, a moça recusou dizendo que o chaveiro tinha a imagem da santa, que por isso ela não ficaria com ele.

Mas o rapaz insistiu dizendo que ganhara de sua mãe e que estava passando a ela, e aquele chaveiro seria um símbolo do respeito tanto dele para a religião da moça e da mãe, quanto dela para as convicções dele e a religião da mãe. A moça aceitou, veja só que coração ela tinha, leitor, disse que se o rapaz respeitasse sua religião ela deveria fazer o mesmo e aceitar aquele presente, mas que fique bem claro, eu aceito o objeto, não a imagem, disse ela.

Este seria um bonito final não é amigo leitor? Mas não é, calma lá, o fim está próximo.

Alguns dias se passaram o casal estava nas nuvens, o rapaz voltou ao bom convívio com a mãe, que era: ela tentava a todo custo levá-lo de volta a igreja e ele educadamente recusava.

O leitor perceberá que o fim se aproxima, devido o uso do clichê:

Era sexta-feira, a chuva fina caia sobre o asfalto, isto o tornara escorregadio, o nosso casal voltando de uma pequena reunião com amigos, o rapaz ao volante, cansado, semana dura, sonolento, acordara cedo e já era tarde, Márcia ao lado dormindo, assim como a dele a semana foi cansativa.

Ele teria que levá-la em casa e depois voltar para a sua, soltou um bocejo, a chuva aumentara, esticou o braço direito, segurou o volante com o outro, depois trocou, a estrada ficou toda escura, a cabeça caiu sobre o peito, ele abriu os olhos e recolocou o carro de volta em sua pista. Sorte, pura sorte.

Márcia acordou, sentiu que alguma coisa estava errada, perguntou ao namorado, que a acalmou dizendo que não era nada. Leitor, eu repito agora, a moça era inteligente, ela não sabia dirigir, mas era inteligente, ela deveria fazer alguma coisa, se pedisse para ele encostar o carro para um leve descanso sabia que isso não aconteceria, então teve uma outra idéia, pegou a bolsa no banco traseiro, lá de dentro pegou uma barra de cereal, ofereceu ao namorado, que estava de olhos fechados, Márcia gritou, ele acordou assustado, com o susto levou o carro para o acostamento da pista, no acostamento passou por um buraco, bateu no muro lateral, rodopiou, rodopiou, rodopiou, só parou quando uma carreta que vinha em sentido contrário bateu e arrastou o carro por alguns metros, o caminhão atingiu apenas o lado esquerdo do carro, matou o rapaz na hora, Márcia sofrera apenas alguns arranhões.

Todos dizem que antes de morrermos uma espécie de filme passa em frente ao nosso olhos, com o rapaz foi diferente ele via uma única cena: a mãe entregando-lhe o chaveiro com a imagem de Nossa Senhora da Aparecida, que estava entre os dedos de Márcia no momento da batida.

Fabiano Fernandes Garcez
Enviado por Fabiano Fernandes Garcez em 16/07/2008
Reeditado em 16/07/2008
Código do texto: T1083112