O filho de Adelaide

Adelaide ainda era menina quando casou, tinha apenas dezesseis anos, menina, mas grávida, engravidou de Fernando, rapaz humilde, era office-boy, não bebia, não fumava, mas um amor atrapalhava sua vida, o fliperama, todo o dinheiro que ganhava gastava com a máquina.

Depois de quatro meses de casado, Fernando mudou muito, ficou mais responsável, gastava só a metade do ordenado com o vício, o resto entregava a Adelaide que dividia:

_ Pro nenê, pro gais, pra água, pra luiz, pro o-que-comê. Apesar de não ter cursado a escola Adelaide virava-se muito bem com o somar e o diminuir (as outras duas operações dizia que não servia para ela).

Certo dia entre mordidas na língua e o apertar dos botões Fernando caiu morto. O povo dividiu-se, outros disseram que fora o coração, uns que fora de desgosto por não jogar tanto quando queria. Adelaide chorou a semana toda (dizia que chorava por dois).

Tempos difíceis Adelaide passou sem o marido, mas com um dinheirinho que recebera da empresa, pois o marido morrera em serviço (na hora do almoço), Adelaide tinha os pés no nordeste assim como o povo de lá, ela cá era mulher forte, guerreira, dizia a todos que não encontraria homem tão bom quanto o defunto e estava decidida a não arrumar nenhuma sarna para se coçar.

Quatro meses depois do ocorrido nasceu um menino macho (como sua mãe espalhava a notícia), porém mirrado dois quilos e duzentos gramas e pouco mais de vinte e cinco centímetros de comprimento. O povo dizia que o rebento nascera tão miúdo devido ao desgosto passado pela mãe quando estava barriguda dele (o povo vê desgosto em tudo).

_Taca leite de cabra no diacho do moleque, uns diziam. _Não para de dá o seu leite não, ói não existe melhor remédio na terra que o leite de mãe, o pirralho fica forte que nem toro, diziam outros. _Põe duas cuié de fubá em cada mamadeira que se vê o saguizinho ficá que nem este aqui, tá veno ? diziam alguns.

Adelaide tentou de tudo que falavam, o que era para fazer, ela fazia, o que era para dar ao filho, ela dava, simpatia, fez todas. O menino engordou, corou e cresceu. Na creche era o mais esperto, nos rabiscos, colagem e pintura. No pré já escrevia o nome, e assim foi indo sempre o melhor da classe e o melhor dos melhores entre todas as classes.

A mãe era um orgulho só, dizia a todos que antes morria de medo do moleque não vingar, dizia também que lá de cima o pai estava igualmente orgulhoso com ele, e toda vez que falava do pai, largava tudo que estava fazendo corria para pegar e mostrar um foto do finado (já meio engordurada e toda amassada) ao órfão.

No colegial acabou sendo indicado para um estágio remunerado em uma empresa de jogos para computador, a felicidade dele encontrou a ira da mãe quando trouxe a notícia no meio de um sorriso. Ela esbravejou que fora esse raio de jogo que mandou seu pai desta pr’uma melhor, e queria que tudo que fosse jogo e computador fosse ao diabo. Ele tentou dizer que iria receber por isso, que o dinheiro ajudaria muito, mas não teve jeito, recusou a bolsa.

De lá pra cá o menino entristeceu, emagreceu, empalideceu, pouco falava, e quando emitia algum som, eram apenas grunhidos monossílabos.

A mãe vira a tristeza do filho e quis reparar o erro, falou com Genôveva (muito amiga e principal conselheira de Adelaide), disse que faria o possível e o impossível para arrumar um trabalho para o menino, pois aquele era de ouro, Adelaide agradeceu a amiga com três beijos.

Dois meses depois da promessa Genô (a Genôveva) foi a casa da amiga levar um trabalho para seu filho, é coisa simples mais com dedicação e suor o emprego poderia ser de grande valia ao menino. Adelaide agradeceu a amiga e seus esforços com um café passado na hora e um pedaço de bolo de mandioca.

Agora o menino era caixa nessas lojas de “tudo por um real”, ele acabou gostando do emprego, pois ficava o dia inteiro fazendo contas para o troco e não escondia sua paixão pela matemática (de uma forma ou de outra o que ele fazia ali era matemática).

O sorriso voltou, o ânimo voltou, e voltou a pegar sol em jogos de futebol e corridas atrás de pipas em dias de folga do serviço. O tempo passou ele terminou o colegial, tentou uma faculdade, mas era muito difícil a competição com quem não precisa trabalhar para ajudar no sustento de casa.

Ele era adorado por todos na loja, inclusive por Dona Cleidemara (dona da loja e cunhada de Genovêva), que dizia se a loja tivesse a necessidade de um gerente este seria ele.

Quando Mônica entrou na loja para ser vendedora, ele se prontificou a ajudar a nova colega, primeiro por interesse apenas profissional, pois quando era novato também fora ajudado pelos mais velhos, depois já se interessou pela beleza, alegria e meiguice da moça.

Depois de um longo período de conversas e confidências, deu-se o namoro, dois meses em sigilo, depois assumiram para a loja, semanas depois estavam almoçando aos domingos um na casa do outro e passando as tardes entre sorveterias, cinemas e shoppings.

Adelaide achou alguns defeitos em Mônica, ela não gostava de lavar a louça, era gastona, mas, com o passar do tempo já fazia bolos e tortas especialmente para a nora.

Um dia de muita chuva Genovêva apareceu na loja, muito aflita berrando que ele deveria voltar urgente para a casa, pois sua mãe não estava passando bem e caiu em cama repentinamente. Dona Cleidemara colocou ele e Mônica dentro do carro e saíram em disparada.

Chegando lá Adelaide acabara de ser socorrida pela viatura do resgate, lá foram os três até o hospital.

Adelaide tivera um aneurisma celebral, ficou três dias em coma e depois morreu, Dona Cleidemara pagou todos os gastos com o hospital, ele recebeu convites de Genô, Dona Cleidemara e Mônica para passar uns dias fora de casa que era bom para a alma, ele agradeceu a outras duas, mas a casa escolhida foi de Mônica.

No primeiro ano ele chorava a falta da mãe todos os dias, passara os primeiros dois meses na casa da namorada, voltou depois a sua, retirou tudo que era da mãe, deu alguma coisa, jogou fora outras e guardou algumas. Dizia ele a todos que sua mãe fora uma rara jóia, pois no mundo de hoje não era fácil cuidar sozinha de uma criança, não só cuidar, mas educar e dar-lhe a sua maneira muito amor.

Depois de dois anos juntos, algumas (poucas é verdade) desavenças, Mônica ficara grávida, ele festejou e marcaram casamento pra quatro meses para a frente, assim dava tempo de preparar tudo, pois tanto Mônica quanto ele queriam fazer as coisas certinhas, casamento na igreja em véu, grinalda, chuva de arroz e festa para os convidados.

Um mês depois ele recebeu um convite para ser escriturário no departamento financeiro de uma empresa no centro da cidade, cujo diretor do departamento era cliente da loja e já fora namorado no tempo de escola de Dona Cleidemara.

Ele era todo alegria, no dia de despedida da loja, agradeceu, beijou, agradeceu de novo Dona Cleidemara a convidou para ser madrinha de seu filho, e renovou a todos o convite do casamento.

No dia do casamento o casal espalhava felicidade através de sorrisos e lágrimas, as flores da igreja, os padrinhos, o fotógrafo, o filmador e a festa, em plena perfeição contribuiu para a alegria dos dois e a família de Mônica.

Não foram viajar na lua de mel, pois ele estava de emprego novo e não queria faltar um dia sequer.

Depois de dois meses de casamento e do novo ofício, entre calculadora, formulários, suspiros, mãos no queixo, na testa e no cabelo, telefonemas e cobrança do chefe, telefonemas, fixou seu olhar em uma borboleta que entrara pela janela, lembrou que antes de ser uma colorida borboleta fora uma asquerosa e desajeitada lagarta, lembrou também do demorado e penoso processo de mutação que esta lagarta sofre, então, em um segundo tomou uma decisão que jamais passou pela sua responsável cabeça de trabalhador e chefe de família. Levantou-se deixou os papéis, o chefe e os estridentes e teimosos telefones, foi ao departamento pessoal, pediu as contas e nunca mais foi visto por ninguém.

Fabiano Fernandes Garcez
Enviado por Fabiano Fernandes Garcez em 18/07/2008
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