O rio

Matava as horas à beira de um rio. Jogava-lhe pedrinhas com a intenção de raseá-lo, mas o rio já era raso. Tão raso que me via dentro dele e não me afogava. Já me disse Celestina, aprendiz de feiticeira, que o rio é espelho que leva a alma embora. Pra onde, ela não disse também não me interessei saber. O que mais me preocupava naquele momento era descobrir se o rio subia ou descia. Celestina disse-me certa vez que o rio sempre descia, e que não era certo ele subir. Se ela tinha razão, então de onde vinha o rio que sempre descia antes de chegar a mim? Matutei a tarde inteira, até anoitecer. Numa coisa Celestina tinha razão, o rio levou minha alma. Pois eu já não me via mais refletido ali.

Celestina riu por último, quem mandou eu não acreditar. Ainda bem que ela conhecia reza brava e jogou sal grosso no quintal. Noutro dia lá estava eu novamente refletido no rio outra vez a matutar: de onde vinha o rio que sempre descia até mesmo antes de por mim passar?...