Techinocolor - Parte I

Observe-o enquanto ele experimenta as notas da canção. Olhos cerrados, headphones, a respiração volúvel, o escuro proporcionado pelas cortinas enlaçadas. Primeiro uma seqüência repetida de sons que, mal somem do fone esquerdo, atingem-no no ouvido oposto. Ao fundo, um acorde nasce e ressoa por muito tempo, até desaparecer suavemente. Em seus instantes finais tem-se a impressão que o volume aumenta. Não é impressão. Os sons repetidos em seqüencia e o acorde no fundo tornam-se mais perceptíveis. Aos poucos, desponta um leve sentimento de incômodo; está alto demais. Aqueles sons clamam pela sua atenção, precisam dele para que testemunhe sua beleza, para que comprove a dissonante melodia que juntos delineiam. Acabara de baixar o cd e, passada a fase de estranhamento, sentiu-se cativado pelas primeiras notas. Talvez o incômodo não seja da música. Talvez seja outra coisa; aquela coisa que está sempre na sua mente, mas que ele nega em contar a qualquer pessoa. Algo tão íntimo que deveria ser guardado em uma gaveta como os poemas que escrevia aos doze anos de idade. Qualquer pessoa não, contaria para uma pessoa, é verdade, só uma pessoa. Inclusive havia tentado contar-lhe na noite anterior, enquanto estavam conversando no bar perto da casa dela, mas o casal ao lado começou a brigar e ele desistiu. O acorde ao fundo agoniza até desaparecer por completo e só a seqüência de notas acompanham o seu pensamento.