MIRO E A PANDORGA

Esta história a ser contada se passa no ano de 1934, no morro do João Carvalho, no bairro da Agronômica, cidade de Florianópolis. Trata da história de Miro, um menino de uns doze anos de idade que tinha verdadeira paixão; a de empinar pandorga.

-Miro! Vem tomar café guri! Miro! – A mãe dona Maria gritava pelo filho com as mãos na cintura, mas nada de resposta. – Danado deve de ter ido pro campinho empinar pipa, deixa só o pai de ele saber, que ele vai levar uma bela de uma coça. – dizia enquanto entrava no quintal. Dona Maria temia. Não demorava pro pai de Miro chegar do quartel e ele não gostava de ver o filho na rua depois das seis da tarde. O rabo de tatu ia zuni no coro de alguém. – pensava.

Miro não temia a rabo de tatu. Sua concentração era no colorido da sua pipa que era exibida no céu ainda claro por causa da estação do verão.

Ele olhava fascinado ao ver a desenvoltura da pandorga que ganhava o céu com sua imponência repleta de um colorido radiante. A rabiola parecia uma calda de dragão que bailava no ar ao sabor do vento, fazia malabarismo e contorcionismo.

A sua pandorga era a mais bonita, verde e azul com uma gigantesca rabiola branca e amarela, simbolizando a cor do Brasil. Era bonito de se ver.

-Corta! Corta! – gritava Adauto para que Miro derrubasse um oponente.

A rabiola repleta de serol, servia para eliminar as outras pandorgas que quisessem ocupara o mesmo espaço aéreo dele. Era uma disputa ferrenha, porém saudável.

Miro conseguiu derrubar a pipa do adversário e uma multidão de moleques correu pra ver onde a pipa ia cair pra poder pegar. Era uma briga danada. Miro ria exibindo seus enormes e amarelos dentes, de pés descalços, calça de suspensório dobrada até os joelhos, continuava a equilibrar sua pipa no ar.

-Miro tá quase na hora do teu pai chegar do quartel. – lembrou Adauto.

De um sobressalto Miro lembrou do rabo-de-tatu. Recolheu a linha e baixou a pandorga, enrolou a rabiola com cuidado. Colocou a pipa debaixo do braço e foi correndo pra casa, corria o mais rápido que suas pernas finas podiam. Tinha um medo ferrenho do pai. Que era de pouco falar, mas de muito agir.

Seu Valdomiro era um homem taciturno e empunha respeito a quem o conhecia. Miro não se lembrava de ver o pai esboçar um sorriso. Desde a morte de Vilmar o filho mais velho ele havia perdido o brilho nos olhos e o sorriso não era o mesmo dantes.

Dona Maria era mais maleável de lidar, Miro vivia desobedecendo a mãe que lhe torcia as orelhas, mas que logo estava lhe mostrando os dentes num sorriso carinhoso e comovido. Ele bem sabia o que a mãe sofria com a morte do filho, seu irmão mais velho que ele três anos. Quando Vilmar morrera tinha doze anos, a mesma idade que Miro tem hoje. Foi um duro golpe para os pais de Miro. E para ele também que via no irmão um exemplo a ser seguido. Foi Vilmar que o ensinou a empinar pipa e foi às mãos hábeis dele quem confeccionaram a pandorga que Miro sempre exibe como se fosse um troféu. Aquela é sua pipa favorita, foi a herança deixada pelo se amigão. Muitas vezes Miro se entristecia ao pensar em Vilmar, podia ver ele feliz no campinho empinando pipa descalço correndo quando a pipa era abatida. Aquela imagem do rosto aberto em um sorriso farto e radiante era a verdadeira imagem que Miro trazia do irmão.

Aquela tarde quando Miro entrou no cercado levou uma bronca da mãe, mas ele não se importou muito. A mãe fingia-se de braba mas no fundo seu coração se derretia feito manteiga no pão quente.

No dia seguinte, Miro tornou a ir para o campinho. Embaixo do braço a pandorga e nos olhos o brilho de quem faz o que mais adora.

O céu estava límpido e sem nenhuma nuvem, a tarde quente chegava a escaldar os pés. Apenas uma brisa suave vinda do oceano fazia as arvores balançarem e impulsionava as pandorgas a voarem.

Miro já havia empinado sua pipa que voava no céu como se fosse um lindo pássaro multicolor. Mas de repente o vento começou a soprar com força e Miro que de inicio ficara feliz por que a pipa ganhava forças no céu, agora que o vento mudara de repente e o vento sul entrara ficava impossível para Miro controlar sua pandorga no céu. Ele tentou recolher a linha, mas a força da ventania arrastava sua pipa e junto com ela ia Miro que se negava a soltar a linha que estava lhe cortando a carne das mãos. Ele lutou arduamente, mas o vento acabou vencendo e levou sua pipa para longe. A pipa feita pelo irmão. Miro sentou-se sobre a pedra mais alta e lá ficou. Cabeça baixa, olhar perdido. A ânsia de chorar, mas era homem e o pai dizia sempre que homem não chora, por pior que seja a situação em que se encontre.

A noite caiu densa e Miro continuou lá sentado. Nada parecia atingi-lo, nem mesmo as broncas da mãe ou a ira do pai empunhando o rabo-de-tatu. O vento continuava imponente como se mostrasse a sua face misteriosa a um menino desajeitado e infeliz porque perdeu para ele a coisa mais preciosa que tinha, a pandorga feita por Vilmar, que agora não estava ali para lhe fazer outra igual que nunca mais ele poderia ver seu irmão e nem empinar pandorga com ele, que nunca mais veria o sorriso estampado no rosto ruivo coberto por sardas, nunca mais.

Miro continuou ali sem querer pensar em nada, nem mesmo sabendo que assim que o pai o achasse viria com o rabo-de-tatu e este zuniria em suas canelas finas. Dor maior do que estava sofrendo o rabo-de-tatu, não poderia causar.

-Miro! Miro! – Ele ouviu a voz de seu Valdomiro, mas mesmo assim não saiu do lugar.

-Miro! – tornou a voz a chamar.

O vento sul chiava e secava as lágrimas que agora começaram a rolar pelo seu rosto infantil, não importava o que pai sempre dizia a respeito de homens não chorarem ele ainda era um menino.

-Miro! – exclamou o pai surpreso diante dele.

Miro não levantou os olhos para encarar o pai.

-Me fez escalar esta pedra. – disse olhando para baixo. – É muito alto aqui em cima. Dá pra ver toda a Ilha. – completou.

Miro sem levantar os olhos disse:

-Eu perdi, pai.- fez uma breve pausa.- Perdi a pipa que Vilmar fez pra mim, perdi para o vento sul. – bradou.

-Perdeu a pandorga filho... – falou seu Valdomiro com a voz complacente.

Miro meneou a cabeça positivamente.

-Filho nós faremos outra.

-Aquele foi ele quem me deu, não poderá fazer outra para mim.

Miro se atreveu a levantar os olhos e olhar para o pai. Imaginou que iria deparar-se com o olhar duro de todos os dias quando o pai ficava bravo, mas o que viu foi um olhar doce e meigo recheado de carinho e compreensão.

-Sabe meu filho. – disse.- as vezes as coisas nos escapam das mãos e por mais que tenhamos tentado segurar com firmeza , uma força maior nos arranca aquilo que nos é mais caro e precioso na vida e leva para um lugar distante dos nossos olhos. Mas mesmo que não possamos ver está em algum lugar. Às vezes meu filho é preciso que percamos algo para que assim compreendamos o verdadeiro valor das coisas e com isso ganhamos. Ganhamos experiência de vida.

-Pai O Vilmar também foi para algum lugar?

-Foi, filho.

-Será que a pandorga voou de volta para ele?

-Pode ser que sim.

-Ele sempre estará vivo no meu coração pai.

-Tenho certeza que sim meu filho.

-Pai, eu perdi a pandorga e ganhei um amigo.

-Foi?

-Você.

O pai o abraçou comovido.

-Sabe pai, vou lhe contar um segredo.

-E qual é?

-Eu chorei hoje, por causa da pandorga.,

-Eu tenho um segredo também.

-Tem? E qual é?

-Eu também já chorei filho. Mas que isto fique entre nós. Agora vamos voltar pra casa que a sua mãe ta preocupada.

Ambos pai e filho voltaram para casa. Miro tinha o sentimento de alivio no coração por ter aprendido com a perda da pandorga a ganhar a esperança.

No dia seguinte a tarde, Miro estava novamente no campinho. Pés descalços calça de suspensório, camisa de flanela, olhos grudados no céu enquanto que mãos habilidosas empinavam a mais bela de todas as pandorgas. Nas cores lilás, amarela, azul e verde com uma linda rabiola também colorida seu Valdomiro, orgulhoso manobrava a pandorga que ganhava cada vez mais o céu, misturando-se a outras pandorgas. Ele segurava a linha e olhava para Miro que sorria orgulhoso para o seu pai.

FIM!

Autora: Patrícia Mackowiecky Carpes