Ela se cansou.
Maria de Fátima sempre foi uma mulher batalhadora. Era casada com Roberto, que era pedreiro. Tinha dois filhos, um de dez e um de nove anos.
Maria de Fátima fazia a comida para os três, cuidava da casa, lavando e passando e ainda por cima, lavava roupa para várias famílias mais ricas, para ajudar o marido a manter a família.
O trabalho de Roberto não era fixo, um homem forte e rude, que tinha um sério problema com a bebida.
Antes era uma vez por semana, mas Roberto começou a embriagar-se constantemente, chegava bêbado, pegava Fátima pelos cabelos e batia, batia forte, com socos e pontapés, deixando-a deitada e bastante machucada.
Fátima acordava cedo, curava suas feridas; enquanto dizia para os filhos que havia caído da escada e retomava sua rotina, cuidando da casa, lavando e passando.
As surras de dez minutos, pareciam um dia inteiro para Fátima que não conseguia, não aguentava mais apanhar. Um dia foi até a delegacia e denunciou, o marido apanhou de uns agentes, chegou em casa e o coro em Maria de Fátima desceu dobrado.
Certo dia, ela pegou uma velha faca, bem enferrujada que usava para podar suas plantas nos vasos que cultivava; e a cada surra que levava, passava o mesmo tempo de surra, amolando a faca em uma pedra.
Passaram-se vários meses, várias surras, e Fátima amolava a faca, embebida no ódio e na dor que andava sentindo; enrolava a lâmina em um pano e escondia dentro de um vaso, que ficava pendurado na cozinha.
A faca de Fátima já estava parecendo uma navalha, com uma ponta afiada e que dava até para fazer uma barba, tamanha a capacidade de corte.
Um dia, Roberto chegou totalmente bêbado, já entrou gritando o nome da mulher e dizendo, vem Maria, vem ver o que eu tenho para você, tá na hora de você receber seu castigo.
Fátima engoliu seco, sentiu o coração quase pular do peito, mas respirou fundo e esperou. Quando o marido apareceu na porta da cozinha, exalando aquele cheiro de engenho, com os olhos vermelhos feito brasa, gritando palavaras impublicáveis e cuspindo, Fátima não teve dúvida, esperou o marido levantar o punho cerrado, passou a mão na faca que estava no vaso e inesperadamente, golpeou com raiva o abdomen do agressor.
A faca entrou fácilmente, sem atrito, mesmo enrolada no pano, que ficou enfiado nas entranhas do monstro, e Fátima fez questão de girar a lâmina de um lado para o outro, enterrando ainda mais o aço na barriga de seu algoz.
Roberto, olhava para Fátima com cara de espanto, xingou-a de desgraçada e caiu inerte, com uma enorme poça de sangue à sua volta.
Fátima respirou aliviada, acendeu um cigarro e esperou a polícia chegar.
Maria de Fátima já cumpriu sua pena, em uma colônia agrícola feminina. Trabalhou duro na horta, chorou muito na prisão por ter ficado tão distante dos filhos.
E hoje em dia, ela pode dizer que não é mais vítima dos espancamentos de um marido bêbado.