Trecho perigoso...

Tião era motorista de caminhão. Andava mal nas finanças, o dinheiro não dava para cobrir as despesas, a esposa estava aflita, pois o dinheiro não estava dando para pagar nem as refeições dela e dos quatro filhos do casal.

Tião começou a aceitar viagens que pagavam melhor, saía de casa, no interior, rumava para São Paulo, passava no CEAGESP, carregava de verduras, acelerava para Belém do Pará, chegando lá, entregava a carga de verduras e rumava para Ananindeua, carregava o caminhão com madeira e voltava para São Paulo, chegava até Santos, descarregava a madeira e de lá trazia containers de roupas chinesas que abasteciam lojistas do interior.

Tião quase não dormia, mas o sono estava atrapalhando sua labuta, o pouso em hotéis comprometia o orçamento. Chegou a pensar em diminuir o ritmo, até que um amigo de trecho, que já estava envolvido nesta lida, sugeriu:

_Tião, o negócio é tomar um "arrebite", é um comprimidinho que você toma com um gole de conhaque e viaja daqui no Pará sem parar nem pra mijar.

Então, Tião perguntou, um tanto desconfiado:

_Mas não faz mal? Como eu consigo?

O amigo disse que já tinha o esquema, e entregou uma receita para Tião comprar o comprimido na farmácia. Tião pegou a receita nas mãos e leu um nome estranho no papel. Foi até a farmácia e entregou para o farmacêutico.

_O farmacêutico leu a receita e voltou com uma pequena caixa de um medicamento tarja preta.

Tião leu um pouco da bula com dificuldade e pôde entender: "Inibidor de apetite" e nas especificações conseguiu ler a palavra "anfetaminas".

Quando pegou a estrada, partindo para Belém, Tião parou em um posto de gasolina, jogou dois daqueles pequenos comprimidos na boca, pediu uma dose de conhaque e engoliu o remedinho "milagroso". Entrou no caminhão, deu partida e foi tocando. No meio do caminho se sentiu bem, disposto, dirigia com atenção e não pensava em nada, só em chegar no destino.

Cumpriu a missão, sucesso total, foi e voltou, e o melhor, sem atrasos, sem cansaço e sem gastos excessivos.

Porém, o uso do remédio começou a ficar crônico, e Tião aprendeu que não precisava mais de receitas médicas, pois comprava a droga diretamente de vendedores que ficavam nos postos, esperando os motoristas que já estavam dependentes do "aditivo".

Tião mudou, ficou agressivo, nervoso, não tinha paciência com ninguém. Perdia com facilidade a noção do tempo, passou a não conseguir dormir à noite, tinha pesadelos. Mas o dinheiro estava rolando, deu carro para a esposa, reformou a casa, presenteou os filhos. E enquanto isso, ele perdia a saúde.

Um dia, Tião parou em um posto da estrada, eram 15:00 hs, o sol estava "rachando mamona", e Tião saiu do caminhão com uma lanterna acesa para conferir os pneus do caminhão. Um borracheiro do posto percebeu a estranha atitude e alertou Tião, que não conseguia saber nem onde estava, e só depois do borracheiro perguntar o porquê dele acender a lanterna se era dia, o motorista reconheceu que precisava de ajuda.

O remédio fazia com que Tião perdesse a noção de tempo e de espaço, confessou para um psiquiatra que almoçava sem sentir o sabor da comida, que dirigia dois mil quilômetros e não se lembrava de nada do que tinha visto na estrada, que tinha tremores, calafrios, medo e que isso só passava se tomasse o tal do "arrebite".

Hoje Tião está em tratamento, dando um tempo no trecho; mas precisa viajar, ganhar a vida e principalmente, precisa continuar lutando contra o vício.

BORGHA
Enviado por BORGHA em 18/08/2008
Código do texto: T1133657
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