O CONTO DO VIGÁRIO

José do Nascimento Celeste, ou simplesmente Zé Celeste, como já foi conhecido quando jovem. Este era o nome do Vigário José, chamado assim hoje em dia pela comunidade da Paróquia Santa Terezinha, de uma cidadezinha do interior de Minas, chamada Pouso das Pombas. Deveria ser uma cidadezinha muito perfumada! O Vigário era muito querido em sua Paróquia e já estava lá há mais de 30 anos, esquecido pelo Vaticano. Bem idoso já, beirando os 80 anos. Cabelos ralos e branquinhos, usava uns óculos antigos, grandes e quadrados. Tinha um cacoete. A toda hora levantava o ombro direito até encostá-lo no pescoço. Fazia isso involuntariamente é claro e as pessoas já tão acostumadas nem percebiam mais. Na paróquia havia muitas beatas e uma em especial, Dona Catarina. Era uma senhora na casa dos 70 anos. Tinha olhos pequenos e azuis, magrinha e um nariz pontudo e grande. Todas as quintas-feiras D. Catarina vinha trazer seus quitutes na igreja. Ela os trazia para a santa! Sim, para a santa! Era um pedido do Vigário. Toda semana o altar da santa era recheado com coxinhas, esfihas, bolos, broas e toda a sorte de quitutes deliciosos que a prendada D. Catarina sabia fazer. Mas, era tão somente para a santa! E quando ela saía pela porta da igreja, o Vigário, saía da sacristia! Pegava os quitutes e levava para a casa paroquial. Muitas vezes começava a comer ali mesmo. Ele adorava os quitutes de D. Catarina! Ele e a santa é claro!

O Vigário tinha mania de fazer vários pedidos aos fiéis em nome da santa. Sempre ia à casa do Sr. Lindomar, um homem de posses da cidade, pedir donativos.

- É para a santa, Sr. Lindomar, para a santa! E o Sr. Lindomar, um senhor calvo, de olhos grandes, muito devoto, claro que não negava. Em outra ocasião, precisando de um relógio novo, não hesitou e foi até o relojoeiro. – Bom dia Sr. Adauto, como vai? O senhor sabe que vivo perdendo a hora da missa das 6h? É esse meu velho relógio de pulso, já não vale mais nada, vive atrasando! Santa Terezinha não deve estar gostando nada disto! Outro dia até sonhei com ela me pedindo para comprar um relógio novo!! E é claro, o relojoeiro comovido com a fala do vigário, ofereceu-lhe de presente um lindo relógio de pulso, último tipo. O vigário se encheu de satisfação, e soltou: - Obrigado Sr. Adauto, que é isso, não precisava. Se a santa não tivesse pedido eu nem faria conta. Agradeceu novamente e saiu, todo garboso com seu relógio novo. E o danado ainda deu um sorrisinho meio sarcástico como que comemorando mais um golpezinho de nada. E o ombro disparava em direção ao pescoço! E assim ele ia tirando vantagens dos fiéis. Sempre em nome de Santa Terezinha. Certa feita, quando D. Catarina, mais uma vez depositava seus quitutes ao pé da santa, o vigário a observava escondido atrás da porta da sacristia. Chovia muito naquela tarde. E nada melhor que uns quitutinhos, pensou o vigário. D. Catarina terminou de depositar os quitutes ao pé da santa, fez sua oração e saiu. Ao cruzar a porta da igreja, o vigário, como de costume, surgiu. D. Catarina havia deixado dessa vez umas coxinhas de galinha! Eram as que ele mais gostava. Pegou rapidamente uma delas e começou a comer prazerosamente. De repente eis que surge D. Catarina que voltara para apanhar o guarda-chuva que havia esquecido. E claro, levou um susto e exclamou!

- Vigário!!! O senhor está comendo as coxinhas da santa?!

O Vigário levou um susto tão grande que engasgou com um pedaço da coxinha. Começou a tossir, tossir, puxar o ombro em disparada, perdeu o fôlego e caiu desmaiado. Não se sabe se do engasgue ou do susto. D. Catarina também ficou assustada. Também não se sabe se com o desmaio do vigário ou com a cena que acabara de ver. Ficou desesperada! Olhou para os lados, não havia ninguém! O vigário ali desmaiado. Quando ia se levantando para ir em busca de ajuda, o vigário começou a voltar a si.

- Vigário José, o senhor está bem?

O vigário, ainda meio roxo, do engasgue e da vergonha, puxando o ombro, foi voltando aos poucos. Olhando meio de canto de olho para D. Catarina, sem demora disse:

- Foi a santa D. Catarina, foi a Santa que mandou que eu comesse as coxinhas.

- A santa?! Mas porque Santa Terezinha ia pedir para que o senhor comesse as coxinhas se o senhor passa tão mal quando come frituras? O senhor mesmo já me disse isto!

- É uma provação D. Catarina. Uma provação! Um homem de Deus deve viver em penitências e provações todo o transcorrer de sua vida cristã!

- Ahnn... Disse D. Catarina não muito convencida.

O vigário já estava melhor, mais recomposto, sentado agora no primeiro banco da igreja. D. Catarina achou melhor ir embora e deixar a situação por isso mesmo. Porém, ficou bem desconfiada. O vigário, por sua vez, apesar de ter sido surpreendido daquela forma, aos poucos foi se recompondo e logo já estava bom novamente. Foi para casa e achou melhor deixar, por hoje, as coxinhas pra lá. À noite, deitado em sua cama, lembrando do ocorrido ria a valer, puxando o ombro...

Depois de alguns dias, volta novamente D. Catarina com suas coxinhas de galinha. O vigário desta vez esperou até que ela cruzasse a esquina para voltar correndo e apanhar as coxinhas. Foi depressa para a sacristia e começou saboreá-las deliciosamente. Deu uma mordida grande na primeira coxinha, de tanta que era sua vontade. De repente o padre saiu em disparada, que nem um louco, a ponto de explodir, perdendo o fôlego e abanando a boca. Não sabia se abanava a boca ou puxava o ombro. Pela fresta da porta agora quem ria a valer era D. Catarina, afinal, essas coxinhas não eram de galinha, mas de pimenta malagueta!!!!