SINO, HÓSTIA E VINHO

Na igreja do Barro, tinha toque de sino para tudo.

Marcava hora, avisava missa, tocava triste quando havia enterro e tocava festivo quando havia batizado, primeira comunhão, procissão ou na festa da Conceição em cada dia 8 de dezembro.

Seu Antonio, o sacristão, subia até o coro e de lá acionava os sinos através de cordas para não ter que subir os trinta e tantos metros da torre por uma escada de madeira velha, faltando degraus e toda comprometida pela ação dos cupins.

Fomos ser coroinhas e vivíamos pedindo a seu Antonio que nos ensinasse a puxar as cordas que pareciam duas letras u penduradas no teto do coro.

Cabeça da Burra, Barretinho, ele e eu.

Cada um segurando uma perna do u. Ele apontava, nós puxávamos e o sino soava.

Aprendíamos aos poucos...

Um tipo de toque de cada vez, quando havia necessidade e quando estávamos por perto.

O treino era no quintal da igreja. Quatro pedaços de caibro presos na goiabeira (imitando os badalos), outro pedaço do caibro atravessado de forma que, quando puxávamos as cordas, os pedaços menores batiam no maior e simulava o toque dos sinos.

Aprendemos primeiro as horas...

Um repique no sino pequeno e batidas cadenciadas no sino grande, tantas quantas fossem as horas.

Seis da manhã nós nunca estávamos. Nove horas ou eu ou Barretinho porque estudávamos à tarde. Meio dia, estávamos no almoço, três da tarde e o ângelus, Cabeça da Burra.

Chamadas para as missas...

Um repique, um, dois ou três toques no sino grande (tal como as batidas de Müller do teatro) com intervalo de quinze minutos.

Com a terceira batida a missa começava.

Após a consagração, repique nos quatro sinos.

Dobre de finados, três toques no sino pequeno, três toques no sino grande.

No código Morse, seria traço, ponto, ponto. Cadenciado, triste, fúnebre.

Mas chegou o dia da padroeira.

Alegria geral.

Missas de hora em hora.

Os sinos não tinham sossego.

Seu Antonio fez a divisão do tempo para evitar briga, pois todos nós queríamos ser o único sineiro.

Quatro da tarde, hora da procissão...

Estávamos os três lá em cima.

O repique dos sinos era uma festa, as cordas subiam e desciam com o nosso peso até que rebentaram e caíram sobre nossas cabeças.

Os sinos silenciaram...

Seu Antonio, sacristão zeloso, subiu correndo a escada até o campanário e sozinho tocou os quatro sinos até o final da procissão.

Proibidos de acompanhá-lo, ficamos sentados no batente da sacristia, por trás da cortina, comendo hóstias e bebendo vinho que encontramos no armário, que seu Antonio esqueceu aberto, quando correu para tocar os sinos.