UM SONHO E UM CEGO

Sabe, ontem eu presenciei um ato egocêntrico. Um tanto incomum, mas que foi, foi.

Um pai pediu a sua cria que guardasse os cobertores em seu lugar. O mesmo havia dormido com os ditos e talvez, ainda, este mesmo tivesse sonhado, na noite passada, com algo que o deixasse, quem sabe, no mínimo contente e esperançoso.

A cria tão bruscamente dobrou-os, bufando, empilhou-os resmungando e desde o primeiro momento, reclamando como louca.

E levou, tão friamente, uma trouxa. Para ela, de cobertores. Para o pai, de sonhos. Levou-os como se fossem papéis brancos, sem definição. Suponho que se aquele pai tivesse dormido debaixo de papéis, existiria em cada folha obras de arte tão surreais quanto as maravilhas de Salvador Dali. Lindas obras de sonhos, tão fantásticas como tais. Ela os empilhou, colocou-os em sua frente e andou, mas não sabia do que apoiava ante o peito: não tinha noção de tal responsabilidade. E seguiu, como a carga de sonhos sobre si. Eu percebi que os cobertores ainda estavam quentes. Que frieza! Que contraste com o coração daquela garota.

Mas levou, guardou-os em seu lugar e os esqueceu, até a manhã seguinte, onde ocorreu o mesmo fato. O pai não cansava de pedir favores como este à ela.

Outro dia, -notem a importância- pediu que ela deitasse um pouco ao seu lado. Mas ela não quis. Que desperdício! Um pai, proporcionando sonhos em conjunto a sua filha.

Talvez ela enxergue apenas com os olhos de sua face. Mas o pai, a via com os do coração.

Seguiam a vida, ele sonhando e ela, friamente rejeitando os pedidos de companhia.

Por ele, a garota carregava-se de uma trouxa de sonhos e se olhasse por si mesma, munia-se de um fardo pesado de cegueira.

Mas viviam: um homem, de seus olhos do coração e uma pequena: de trouxas frias.

E detrás: eu e um bastidor com avisos cravados em suas paredes, alertando-me a quem eu devo pedir para que dobre minhas as trouxas ou deleite-se junto de mim. Seja em sonhos, seja em pesadelos, mas com qualquer que seja os olhos, desde que diretamente vindos do coração.

Heloisa Rech
Enviado por Heloisa Rech em 08/09/2008
Reeditado em 08/09/2008
Código do texto: T1167299
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