FRIO E CALCULISTA

Sebastião era o rei dos assassinos. Um mestre na arte de matar. O demônio encarnado na figura humana. Um serial killer frio e calculista. Para ele, não tinha tempo ruim na hora de tirar a vida de alguém. Aquilo era uma necessidade física. Assim como respirar era necessário para os pobres mortais.

Ele não tinha dó nem piedade. Chegava para matar mesmo. Não queria nem saber quem era a vítima. Só importava saber onde deixaria o presunto.

Foi assim quando, a pauladas muito bem dadas, matou o Padre da cidade justificando que desta forma o velho pregador poderia ouvir mais de perto a palavra do Senhor. Ou então quando em uma noite chuvosa de verão resolveu acabar com uma família inteira sem nenhum motivo aparente. Matou o pai, a mãe e os dois filhos do casal, com requintes de crueldade nunca vistos antes.

Mas certa vez, em uma de suas carnificinas, Sebastião vacilou. Não matou como deveria. Pisou na bola e deixou provas. O vacilo custou caro e o psicopata acabou atrás da grades. Foi parar no xilindró.

E foi ali, ao lado de uma porção de malandros e bandidos das piores espécies, num lugar onde a sua índole assassina poderia piorar ainda mais, que Sebastião se encontrou na vida. Depois de algumas semanas de reclusão o safado participou do intercelas, um campeonato de futebol interno. E não só foi campeão, como também foi artilheiro e eleito o craque do torneio.

Depois do show de bola, a vida de Sebastião resolveu dar uma volta dessas que só ela sabe dar. Por obra do acaso o técnico do time da cidade esteve prestigiando a final do campeonato e ficou impressionado com a habilidade do serial killer. E através de muita conversa e táticas de suborno que todo policial rodoviário conhece, o sujeito conseguiu a liberação do craque para defender a equipe da cidade no torneio regional.

Em uma solenidade cheia de pompas no coreto de Santa Cruz do Oeste, Sebastião foi convocado para a seleção da cidade. Ganhou a camisa 10 e a faixa de capitão. Ele seria o técnico em campo.

A população se revoltou com a notícia do assassino solto por aí. Mas Sebastião logo tratou de calar a massa ao realizar, jogo após jogo, jogadas espetaculares, dribles desconcertantes, marcar golaços atrás de golaços e levar o time até a final do campeonato.

Para a alegria de Sebastião, o dia da redenção finalmente havia chegado. Aquele jogo era a chance do rei dos assassinos pagar todos os seus pecados. Mais do que isso, era a oportunidade de colocar Santa Cruz do Oeste no cenário estadual e, quem sabe, até no nacional.

Naquela tarde o estádio estava abarrotado. A cidade inteira estava ali só para ver Sebastião jogar. Até os coroinhas, ainda revoltados com a morte do Padre, torciam pelo craque. A torcida feminina exibia faixas com pedidos de casamento. A euforia de poder ver Santa Cruz do Oeste disputando o principal torneio de futebol do estado no ano seguinte era enorme.

Mas Sebastião sabia que não seria fácil. O time de São Bento das Araucárias era extremamente experiente. A equipe jogava pelo empate e os jogadores jogavam com o regulamento embaixo do braço. Sabiam o que fazer com a bola e, principalmente, sabiam que o 0x0 era um excelente resultado.

Sebastião dava tudo de si, mas o gol teimava em não sair. E quando o árbitro da partida se preparava para dar o sopro final em seu apito prateado, o ex-rei dos assassinos dominou a bola na entrada da área com a frieza que só um assassino pode ter. Com muita calma, ele driblou dois zagueiros e chutou encobrindo o goleiro. O tempo parecia andar em câmera lenta. A torcida prendeu a respiração. O grito de gol teimava em sair da garganta. Era o gol do título. O gol do acesso à divisão principal. Alguns torcedores choravam e já começavam a se abraçar.

Mas o futebol tem os seus caprichos e a bola explodiu no travessão. O árbitro imediatamente apitou o final de jogo. Ninguém acreditava no que estava vendo. Em segundos a euforia se transformou em tristeza. Na arquibancada, três torcedores morreram de infartos fulminantes. Um quarto não aguentou e também morreu, ainda na ambulância.

Sebastião, sozinho, dava um sorrisinho de canto de boca. Porque quem foi rei, nunca perde a majestade.