Debaixo do Arco Iris II

Há horas, Maria, se esforçava para fazer o modelo de sua “Desnuda”. A idéia estava pronta, mas as mãos pareciam pesadas, sem à agilidade natural. Cheirou a argila, tentando absorve-la na própria carne (...), deixou que os dedos deslizassem sentindo a frieza delicada do barro, tocar sua pele como numa caricia, porém se sentia vazia, presa de uma rigidez dolorosa. Chateada, desistiu, guardou o material com um gesto de impaciência. Precisava sair um pouco estava muito ansiosa... Na verdade, pensou, desde aquele dia na praia, não conseguia se concentrar... era como se seus sentidos, estivessem ampliados, buscando urgentemente uma satisfação que ela desconhecia. Os pensamentos se sucediam em giros sensuais, mas sem se ater a nada. Em momentos um sorriso, numa boca carnuda a fazia corar noutros um decote mais ousado a deixava sem fôlego... A alegria da descoberta dera lugar a uma insegurança, que beirava ao medo do ridículo. Perdera a espontaneidade, com as amigas, como se elas pudessem ler seu segredo. Fazia grandes caminhadas pela praia, tentando deixar o corpo cansado e assim conseguir dormir. A situação não deixava de ser hilária, pensava. Uma quarentona descobrindo a própria sexualidade era no mínimo engraçada. Suas amigas todas héteros e casadas se soubessem achariam que ela estava ficando louca. O pior de tudo é que agora tinha certeza do que queria, mas não sabia como agir... Procurara sites na internet, porém não tinha coragem de se expor mesmo anonimamente... Pegara alguns endereços de bares e locais GLS, mas como ir até lá? Sozinha nem pensar... Sabia que era covardia, no entanto estava além de suas forças... Olhou-se no espelho e viu uma mulher ainda jovem e teve pena de si mesma. Achou que deveria mudar o visual dar um corte no cabelo ou talvez até fazer umas luzes. O corpo ainda era belo e saudável, quem sabe se colocasse umas roupas mais andróginas... - Droga estava jogando sua vida no limbo, pensou. - Vestiu-se rapidamente e foi cortar o cabelo, no caminho decidiu entrar num salão onde ninguém a conhecesse. O cabeleireiro teve pena de cortar sua vasta cabeleira, mas acabou cedendo, no final, ele concordou que tinha ficado ótimo. Entrou numa boutique e comprou um jeans, uma camiseta bem sexy, sentiu o olhar de aprovação da vendedora e saiu quase feliz. Um longo banho na banheira ouvindo blues foi o seu presente. Procurou não fazer planos, o telefone tocou, não atendeu, preparou um drink e ficou bebericando, sem pensar em nada. As nove se vestiu e desceu. O porteiro a olhou, como se a visse pela primeira vez, ela fingiu não perceber, perguntou se queria que tirasse o carro, ela mentiu; falou que uma amiga viria pegá-la noutro quarteirão. Ao consultar a lista da internet lembrou que fora uma vez a um barzinho, em Botafogo, onde um amigo cantava. Isto fora alguns anos atrás, e o marido ficara furioso quando percebeu o lugar.

Decidiu começaria sua aventura ali. Apesar de nervosa, gostou da sensação de euforia, parecia uma adolescente. Sentou numa mesa ao fundo de onde podia observar tudo. Pediu uma caipirinha e relaxou, as pessoas pareciam não dá importância a ela. Algumas meninas namoravam outras azaravam numa boa. Já passava das onze quando percebeu o olhar de uma mulher que a observava do bar. Baixou os olhos sem graça, precisava aprender a flertar, riu no intimo, será que ainda usam esta palavra? Estava tão distraída que se assustou quando uma menina perguntou se estava sozinha. Sorriu e falou que aguardava uma amiga. A menina continuou – Será que sua amiga vai se importar se eu sentar e lhe fizer companhia? – Antes que Maria respondesse uma voz tranqüila respondeu – Lia, deixa minha amiga em paz. - A garota se afastou pedindo desculpas.

Só então, Maria percebeu que era a mulher do bar. – Olha parece uma velha cantada, mas nós não já nos conhecemos?- Maria riu e fitou a outra nos olhos. Pode ser, mas não sei de onde... – As duas riram. – Posso sentar? - Claro. - E sua amiga? – Ah! Acho que ela não vem. Bebe alguma coisa? - Uma água mineral. Desculpe, eu ter interferido, mas percebi que você queria ficar só. E se eu tiver atrapalhando é só falar. – Não, não atrapalha... qual o seu nome? – Nossa esqueci, de me apresentar. Clara e você? – Maria.- Maria de? – Não. Maria. – Clara sorriu, é a primeira vez que vem por aqui? - Perguntou. – Tô tão banderosa assim? – Não, é que uma mulher tão bonita não passaria despercebida. O bar é do meu irmão e tou sempre por aqui. – Obrigada, você também tem olhos lindos. – Maria, eu já tava de saída, quando você chegou, mas gostaria de ver você outra vez. - Maria corou quando a outra segurou sua mão. Eu também não posso demorar... vim sem carro e não conheço bem o bairro. - Você mora onde? - No Leblon. - Tou indo pra Gávea, quer uma carona? – Não precisa se incomodar eu pego um taxi. – Não vai incomodar é meu caminho, aceita vai... - Tá bom, vou pedir a conta.- Não precisa hoje você é minha convidada.

- Na claridade da rua, Maria, percebeu que Clara deveria ser bem mais jovem que ela. Deu de ombros e resolveu apostar no momento. – Clara era divertida, falou que era professora de educação física e tinha de acordar cedo, por isso não podia ficar mais tempo no bar e que Maria estava devendo dançar uma música com ela. E que ficou com medo de chamá-la pra dançar e levar um fora. – Maria, perguntou se tinha cara de brava. – Não, eu quase fiquei com câimbra nos olhos e você não dava a mínima. Você é sempre assim, difícil? – Maria não respondeu.

Chegaram. – Quer subir? – Melhor não. Se eu subir não sei se vou conseguir sair. - Respondeu enquanto lhe acariciava o rosto. – Mas promete que vai me ligar – Palavra de escoteiro.- Já estava saindo do carro quando Clara lhe roubou um beijo.Ela ficou paralisada. – Clara riu. - Ei menina, não gostou do meu beijo. – puxou-a suavemente e beijou-a desta vez devagar e Maria correspondeu o coração disparado, não sabia se de alegria ou medo.

Passou pelo segurança e não soube dizer se ele percebera alguma coisa. – Dane-se. – Deu boa noite e ele respondeu normalmente.

Ainda não estava acreditando. Saíra, fora a um bar, Gay! (...,) beijara uma mulher. Meu Deus é verdade eu sou gay e gostei disso. Fechou os olhos e refez mentalmente a conversa, passou os dedos nos lábios sentiu outra vez a pressão de outros seios nos seus. Clara uma mulher, um anjo que iluminou o seu dia.

O telefone tocou, desta vez ela atendeu. – Maria? É Clara. Já tava dormindo?- Não. Chegou bem? – Maria, tou indo pr’ai. Não vou consegui dormir...Fala que posso. – Maria ficou calada por um momento. – E então? posso? Já tou aqui na frente.- Pode, sua maluquinha, pode. Vou interfonar pro segurança, o apartamento é o 1406, tou esperando.

Quando o elevador chegou, Maria tava na porta, não houve palavras, de mãos dadas, entraram no apartamento. Só esperaram fechar a porta para cair nos braços uma outra.Clara tinha um cheiro bom e uma boca macia. – Maria sorriu que bom que você veio, eu também não conseguiria dormir... Você tem que acordar muito cedo? - Não, lembrei que só dou aula a tarde. - Você? Perguntou Clara enquanto buscava seu seio – Trabalho em casa.- Maria respondeu, respiração cortada, as pernas bambas. - Quer beber alguma coisa? – Você. – Foram jogando as roupas por onde passavam. Clara foi empurrando Maria até a cama, sem se desgrudarem... – Clara, hoje foi a primeira vez que beijei uma mulher. – Maria falou. – Clara a abraçou com força. – Não se preocupe, serei muito carinhosa com você. Prometo.

- Maria se deixou amar por Clara e depois foi sua vez de percorrer os mesmos caminhos de prazer que Clara lhe ensinara. Quando sentiu Clara tão entregue as suas mãos, a sua boca; lembrou de uns versos atribuídos a Safo: “Uma mulher só se dá por inteiro, a outra mulher”.

Acordou abraçada à Clara e tinha certeza que jamais em sua vida fora tão feliz.

Ainda era cedo, ficou algum tempo contemplando aquele corpo tão igual ao seu e que talvez por isso mesmo, a fizesse tão completa.

Devagar saiu da cama e foi ao ateliê as mãos pareciam ganhar vida e pediam os movimentos tão semelhante aos do amor e quase em êxtase pegou a argila e trabalhou o seu modelo.

A “Desnuda” estava ali, ela a criara, acariciando a argila como Clara fizera com ela, com a delicadeza das mãos que sabiam dar amor.

Ali estava a figura de uma mulher plena, feliz, enquanto outra repousava, tendo nas mãos as vestes da mulher que acabara de desnudar...

- Você me deixou sozinha. - Clara falou enquanto a enlaçava por trás.

- Perdoa, a arte tem urgências, como o amor.

- Maria, queria perguntar uma coisa...quer ser minha namorada? Falou enquanto lhe beijava o pescoço.

- Não, respondeu Maria, - estou queimando etapas na minha vida. Quero ser sua mulher. - Só então Clara viu a estátua.

- Que você fez? Esta é você? E esta sou eu? Meu Deus você é uma artista!

Não, sou apenas uma mulher que se descobriu.

Jacydenatal

Rio 06/10/2008