A sonhadora

Foi no outono que aquela menina veio ao mundo. A casa grande iluminada pela luz da lua, o pessegueiro repleto de frutos rosados, de cheiro agradável recepcionaram a garota ruiva que acabara de chegar. Tinha cara de poucos amigos. Logo cedo demonstrou ter um gênio forte, pois tinha a petulância de achar que sairia vencedora num duelo corpo a corpo com sua irmã três anos mais velha, na captação de uma célebre bolsinha a tiracolo que mais tarde viria a exibir em foto preto e branco. Era uma criança responsável, inteligente e madura.

No pomar, cheia de árvores frutíferas, brincava muito às vezes projetando fazendas, currais e correndo por todo aquele espaço que transmitia proteção. Era todo cercado tendo no fundo um rio onde esporadicamente pescava um lambarizinho de nadadeiras vermelhas. Sua imaginação era muito fértil e acreditava em tudo o que lhe contavam. Papai Noel era personagem amigo e com quem poderia contar sempre.

O tempo foi passando e com ele as fantasias tão gostosas da infância. Foi matriculada num excelente Colégio. Só para meninas. A Escola era enorme e ela precisava se ajustar às novas amigas. Foi tudo muito bom e divertido. Gostava de estudar.

Certa vez foi convidada a recitar uma poesia . Chamava-se Juca. Era longa e entremeada de música cuja letra deveria ser entoada bem devagar. Como ela não gostava do nome Juca, preferia chamar-se Lulu e a cantiga dizia: Lulu que belo nome, Lulu é mais gentil, Lulu é mais gracioso, pois tem encantos mil. Numa dessas apresentações um cão presente latiu e o sucesso foi iminente . Depois de muito tempo ainda lhe chamavam de Juca. Ao final da apresentação ela deveria olhar para a diretora ou outra autoridade presente. E perguntar: “você (fulano de tal) gostaria de se chamar Juca? Pois bem, para mim é um desespero. Alguém lhe chamava para jantar, ela se despedia, porque se fosse para jantar então ela se chamaria Juca. Estão servidos? Repetiu isto uma dezena de vezes. Com o passar do tempo finalmente lhe deixaram em paz .

Junto com os irmãos teve bons momentos de brincadeira naquele pomar. Eram cúmplices e parceiros.

Era época de autoridade sem razão. Submissão sem explicação. A obediência era cega. Não havia televisão e a diversão dela era ouvir rádio , depois do almoço, na hora de fazer a lição de casa. Era um prazer insubstituível. Além disso suas irmãs, principalmente a terceira, era sua companheira constante. Foi com ela que participou de diversas festas de casamento como “penetras”, deixando para trás o exagero e sisudez imposta pela educação rígida e retrograda, mas utilizada na época. Conseguiu bons momentos de felicidade enxergando uma luz além do túnel e chegando à conclusão de que havia uma vida diferente além daquele espaço que a protegia, mas também a limitava. Agora, é novamente outono. Não aquele da estação dos frutos, mas outono da vida, em que o passado vai se tornando maior em detrimento do futuro que vai se esvaindo. Mas é bom reviver o passado. Ele dá a certeza de que foi realizado o melhor dentro das possibilidades da época e que apesar dos pesares, tudo teria sido feito da mesma maneira,outra vez. É vitoriosa na vida e no amor. Continua sonhando e acreditando que um dia será melhor que o outro e que as estrelas cúmplices de seus sonhos trarão a magia de ser feliz.

estefania
Enviado por estefania em 09/10/2008
Reeditado em 11/10/2008
Código do texto: T1219356