Alguns quilos de ossinhos

Eram três meninos papeleiros. Tinham uma carrocinha e andavam pela cidade toda, apesar da pouca idade do trio, o mais velho estava com onze anos.

Na escola, as professoras arrepiavam os cabelos, “Meu Deus, é muito perigoso!”, “Vocês não podem andar sozinhos!”. Eles riam e diziam:

- Capaz, profe, não dá nada.

E seguiam no ofício de esquadrinhar latões, containeres , pátios de lojas e depósitos. Conheciam todas as ruas, os lugares nos quais podiam recolher mais papel; aprenderam como organizar a arrumação da carroça, selecionar os papéis, compactá-los, negociar o preço, sabiam quem pagava mais (e na escola, não conseguiam resolver problemas matemáticos).

Marcos, Luís Carlos e Pedro carroceavam, negociavam e riam, riam muito, estavam sempre alegres. Dividiam tudo, trocavam, se emprestavam coisas. E os dias corriam tranqüilos, para eles estava tudo bem.

Porém...

Numa Sexta-feira pela manhã, estavam, como sempre, carroceando. Recolheram tudo o que puderam e partiram para a negociação, especularam e venderam pelo melhor preço. No caminho para casa, passaram no açougue, compraram “ossinho” que estava na promoção, atravessaram a rua, entraram no supermercado e satisfizeram a gula: bolachinhas recheadas, balas, chiclés. Subiram na carroça trocando chiclé por bala, bala por bolacha, pareciam operadores da bolsa .

Naquela empolgação, foram tocando a carroça, rindo, trocando. O sol brilhava, teria ossinho no almoço e tudo estava certo. Nem perceberam a pressa em que iam e a pressa da camionete que vinha. Na curva, o choque. Gritos, correria, pedaços da carroça espalhados, polícia, ambulância...

Luís Carlos, não sabia muito bem se chorava pela dor que estava sentindo ou pelo que acabara de ouvir. As lágrimas correram silenciosas enquanto a enfermeira fazia os curativos e colocava o soro. Quando ela saiu, o menino fixou os olhos no teto, e sem olhar para a mãe, disse:

- Não vou mais carrocear.

Depois se calou, fechou os olhos, nada mais disse.

O que havia a dizer? Pedro estava na UTI. E Marcos, no necrotério.