Balão vermelho em céu cinzento

Pela janela do ônibus, Alexandre via as pessoas. Cada uma com seu jeito de andar, sua pressa, sua expressão particular no rosto. Engraçado, nunca observara isso, por que estava tão reflexivo, agora? Pode ser que fosse aquele céu cinzento, pronto para chover. Às vezes ficava assim, pensativo, mas com outras coisas.

O ônibus não estava muito cheio, Alexandre ajeitou as compras em cima do banco, encostou a cabeça no vidro e viajou. Via o sítio onde passou a infância, os irmãos, o cachorro Chesper, a mãe tirando leite, o pai plantando, bananeiras, laranjeiras, limoeiros, milharal, o campinho de futebol.

Lembrou das brincadeiras, das travessuras... Gostaria de poder levar os filhos lá, mas o sítio já não existia mais. Quando o pai decidiu que os meninos precisavam de estudo, vendeu o sítio, juntou as tralhas e foi trabalhar como vigilante em uma loja. Só mais tarde, Alexandre e os irmãos entenderam o tamanho do sacrifício.

Seu Francisco era homem da roça, ficou triste na cidade. Mas triste mesmo, ele ficou quando soube que o Sítio dos Gabijus tinha sido destruído para dar lugar a um canavial. Ele até disfarçou, mas todos viram os olhos marejar. Ficou caladão por uns dias. Alexandre, agora, era pai, entendia o valor dessa renúncia.

O motorista ligou o rádio e uma música alegre tomou conta do ônibus. As recordações de Alexandre retrocederam até a juventude, um sábado à tardinha, quando conhecera Marisa. Tivera algumas namoradas e gostava de saber que podia conquistar as moças. Mas quando seus olhos bateram em Marisa, uma coisa estranha aconteceu. Ele já não sentia mais a necessidade de ser um ‘conquistador irresistível”, só queria a oportunidade de estar com aquela garota meiga e que sempre tinha assunto para falar.

Os amigos zombavam:

- Eeeehhh, Ale... Não deixa ela te dobrar...

No começo, tentava justificar; depois, nem respondia. Ele estava feliz e era só o que interessava. Namorou, noivou e casou, como manda o figurino. Não antes de ter emprego porque o sogro dizia: “Não criei filha pra passar necessidade”.

Veio o primeiro filho, Eduardo; depois, o bibelô da casa, Júlia. Alexandre dava duro, porém estava sempre tranqüilo. Se as coisas não davam muito certo, ia jogar futebol com a turminha do Eduardo ou andar de bicicleta com Júlia. E quando a situação era pesada demais para carregar sozinho, pedia colo e cafuné a Marisa, aquela companheira firme e corajosa que estava a seu lado há doze anos.

Lembrou que a essa hora Marisa estava saindo do trabalho. Decidiu descer uma parada antes, passar na escola das crianças, conversar com as professoras e ir com os filhos para casa. No caminho, escolheriam um filme e esperariam Marisa com a pipoca pronta.

Estava se sentindo estranho, saudoso de alguma coisa que não sabia bem o que era, misto de alegria, ansiedade e satisfação. O vento batia no rosto, o corpo foi ficando relaxado, mole, os olhos começaram a ficar pesados...

- Pega, pega, mãe!

Alexandre deu um salto, o coração parecia que ia sair pela boca, derrubou uma das sacolas de compras. Virou-se para ver e um balão passou por ele indo direto para a janela aberta. Tentou pegá-lo, mas não conseguiu.

- O balão, mãe!...

- Deixa, Letícia, a mãe compra outro.

- Mas era o balão que a profe me deu...

- A mãe vai comprar um igual.

- Não tem balão igual o da profe.

A menina olhou para Alexandre com os olhos cheios de água e perguntou:

- Tio, por que tu não pegou o meu balão?

Alexandre ficou sem ação, começou a juntar as compras automaticamente, nem sabia direito o que estava fazendo.

O ônibus parou, a mãe desceu, carregando a menina, e entrou na clínica especializada em tratamento de crianças com síndrome de Down. Alexandre pensou nos filhos, com os quais estaria em poucos minutos e sentiu um alívio triste. O balão vermelho ficou voando sob o céu cinzento.